Aracaju, 26 de abril de 2024
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Mãe Social: uma função que exige entrega e muito amor

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A decisão de ter um filho talvez seja a mais difícil que se pode ter. Ser responsável pela criação de um ser humano é uma tarefa árdua que muitos dizem ser um dom. Imagine, então, criar filhos que não são seus e ter que incutir na consciência que terá que se despedir ou porque eles entraram na fase adulta ou porque encontraram uma família. Este é um breve e injusto resumo do papel de uma mãe social, uma espécie peculiar de cuidadora que atua nas Casas Lares. Estas mulheres, contudo, doam seu tempo, sua disposição, seu afeto a crianças e adolescentes que, por motivos diversos, não têm mais perspectiva de adoção e, por isso, são transferidos para essas casas que são um tipo de abrigo, porém com rotina e função bem específicas.

Magna Simone Gonçalves é uma dessas mães sociais que atuam em Aracaju. Ela já tinha em seu histórico a experiência de trabalhar como cozinheira de um abrigo da cidade e, por isto, tinha uma leve noção de como é cuidar de crianças e adolescentes em situação de abandono familiar. Porém, foi em 2015, com a implantação das Casas Lares em Aracaju, através de um convênio com a ONG (Organização Não Governamental) Aldeias Infantis, que Magna iniciou os trabalhos como “tia” e logo recebeu a notícia de que estava sendo avaliada para ser mãe social.

“A primeira sensação que tive foi de medo, medo de me apegar, medo da dor da despedida, medo da responsabilidade”, afirmou Magna. Hoje, quando já atende preferencialmente pelo apelido de “Mama”, Magna é mãe social de uma casa com oito crianças e adolescentes, com idades entre 7 e 18 anos e, no momento, se prepara para se despedir de duas das filhas de coração que serão reinseridas na família por terem sido adotadas por uma tia. “Há dias que não durmo direito. Esse era um dos meus medos, me apegar, mas, tudo o que vivi só me faz ter o sentimento de gratidão. Vale muito a pena cada momento com eles por saber que, de alguma forma, eu sou um bálsamo que alivia um pouco a dor da rejeição, do abandono “, contou.

Fora da Casa Lar, Mama é apenas Magna, casada, mãe de uma jovem de 22 anos, que atualmente mora em Brasília, e avó de um menino de 3 anos. “Quando eu recebo um ‘bom dia’ com um beijo, um abraço, ali é como se eu já estivesse preparada para a guerra. Muita gente não entende, por exemplo, quando você está com dor de cabeça e vem uma criança dessa com água e comprimido para te dar. Daqui a pouco a gente só ouve o silêncio, ‘cale a boca que a Mama está doente’. Por eles eu brigo, enfrento os Golias da vida”, disse.

Um desses Golias, Mama teve que enfrentar em um ônibus. Ao levar parte dos “filhos” para o judô, um deles entrou pela porta do meio do veículo e, de onde ela estava, ouviu o motorista dizer: “quem é a mãe desse bandidinho?”. Para ela, foi como uma facada que, sem aviso prévio, rasgou o peito e deixou esvair o seu lado protetor. “Não pensei duas vezes e fui tirar satisfação. O motorista não ouviu coisa boa e briguei mesmo e brigarei por eles quantas vezes for preciso. Não é assim que faz uma mãe?”, questionou sem precisar de resposta.

Magna, que nasceu em Propriá, sabe o que é ser abandonada e, talvez por isto, aceitou a missão de ser mãe social. Ainda muito novinha, ela foi abandona pela mãe e, em seguida adotada pela avó paterna. “Rejeição é um coisa que dói e só é curada com amor. Em cada pancada que a vida der neles, eu vou amenizar com amor porque é isso que eu sei fazer. Todos os dias eu reescrevo a minha biografia com eles”, desabafou.

Casa Lar

Casa Lar é um ambiente que se assemelha a uma residência particular e funciona na estrutura de uma família usual: a cuidadora é a mãe e os acolhidos se relacionam como irmãos.  Com regras pré-estabelecidas como horário de acordar e dormir, cooperação nos afazeres domésticos, disciplina escolar e atividades de lazer, o espaço é, realmente, um local de referência para as crianças e adolescentes que tiveram o seu vínculo familiar interrompido por conta de situações de vulnerabilidade social.

Em Aracaju, existem quatro delas, como explicou a coordenadora das Casas Lares, Thaís Henrique Santos. “Hoje, temos um total de 26 crianças e adolescentes , sendo que, no máximo, cada casa pode ter dez. São crianças e adolescentes que estão sob medida protetiva, que estavam em abrigos e que não têm mais perspectiva de serem adotadas, muitas vezes por causa da idade, ou por ser grupos de irmãos. O trabalho de mãe social é muito peculiar e que envolve toda uma equipe técnica que presta suporte”, destacou.

Apesar de ser uma espécie de abrigo implantado pela ONG Aldeias Infantis, atualmente, após o fim do convênio, no final de 2016, as Casas Lares passaram a ser administradas pela Diretoria de Proteção Social, da Secretaria Municipal da Assistência Social, e o trabalho de mãe social não pode ser feito por qualquer pessoa.

“Elas são contratadas pela secretaria, mas, na hora de contratar, nós procuramos um perfil acolhedor e experiente. Precisa de tempo, disponibilidade. Ela sai da casa dela e passa cinco dias na Casa Lar e tem dois de folga. Nestes dois dias de folga, as “tias sociais” são quem fazem o papel. As mães participam da rotina dessas crianças, levando para médico, escola, participando da rotina de lazer, fazendo o papel de mãe mesmo”, salientou a diretora da Proteção Social, Inácia Brito.

Todo um corpo técnico é preparado para dar suporte a essas mães por entender que se trata de um papel, antes de tudo, mediador de conflitos. “Os meninos e meninas da Casa Lar já têm consciência da dificuldade de serem adotados. Infelizmente, muitas vezes temos que trabalhar isso com eles por se tratar da realidade, porém, não os deixamos sem a acolhida e afeto que tanto carecem. Na Casa Lar , eles vivem em família e, com eles, essa mãe social incentiva atitudes que, no futuro, garantam que eles tenha autonomia”, reforçou Jonatan Rabelo, coordenador da Proteção Especial.

Casa Lar x Abrigo

Apesar de uma mesma modalidade de trabalho, o acolhimento, existem algumas diferenças entre as Casas Lares e os Abrigos, que também são uma demanda da Secretaria da Assistência de Aracaju. Os abrigos recebem as crianças e adolescentes por meio do Conselho Tutelar, já as Casas Lares após decisões judiciais. O tempo de acolhimento também é diferente. Geralmente os abrigos recebem as crianças até um período de três meses, que é prorrogado em situações específicas, onde os vínculos com a família tentam ser restabelecidos. No caso das Casas Lares o tempo de estadia das crianças é muito maior, elas ficam na casa até serem adotadas ou completarem maioridade. As equipes das Casas Lares obedecem ao regime de trabalho de cinco por dois (trabalham cinco dias ininterruptamente e folgam dois), e são fixas. O acesso de pessoas de fora também é bastante restrito, justamente para não quebrar a visão de um ambiente residencial e privado.

Foto Ana Lícia Menezes

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