Aracaju, 19 de abril de 2024
Search

Comunicação de venda: ‘Quem não comunica, se trumbica’, escreve Lacerda Junior

5

*Lacerda Junior

No interior vivia um típico morador da roça cujo nome era Mané. Ele levava a vida da forma característica da maioria dos moradores da zona rural: acordava cedo para tirar o leite, alimentava as galinhas e providenciava a ração para as quatro vaquinhas que criava.

Mané era igualzinho a qualquer caipira, a única coisa que o diferenciava dos demais era a sua paixão por caminhonetes antigas. Embaixo do telheiro de sua propriedade ele guardava a paixão de sua vida: uma Chevrolet D10 ano 1982 com motor Perkins, caçamba de metal e para-choques cromados, algo que ele trabalhou durante dez anos para adquirir.

Num determinado ano a seca castigou fortemente a região onde Mané morava e a situação ficou muito crítica, a falta d’água destruiu a lavoura e matou as galinhas, agora só restavam três vaquinhas, pois uma já tinha morrido de sede, então Mané tomou uma decisão:

– Muié! Ô Muié!

– Que é Mané? Já não basta esta seca dos infernos e você ainda fica me apurrinhando – respondeu Genoveva, esposa de Mané.

– Manda o menino chamar aqui o compadre Zé, diz pra ele que vou vender a D10 e sei que ele tá de olho nela faz tempo – respondeu Mané

Após algumas horas ouviu-se o arrastar de um par de botas:

– Compadre Mané! Sou eu o Zé. Mandou me chamar?

– Mandei sim. Sabe o que é compadre, é que essa seca acabou com toda minha lavoura e tá judiando o que sobrou de minhas criações. Queria saber se o senhor ainda tem interesse de comprar minha D10.

– Mas compadre, o senhor tem tanto amor por esse carro – respondeu Zé.

– Tenho mesmo, mas infelizmente a situação me obriga a me desfazer dele – respondeu Mané.

– Tá bom compadre! Eu fico com o carro, só que tem uma condição.

– Qual, Zé?– perguntou Mané.

– O compadre vai só assinar o recibo do carro e me entregar, pois estou sem tempo de ir lá na cidade para fazer a transferência por estes dias, mas garanto que mês que vem eu transfiro pro meu nome.

– Tá bom compadre, eu confio no senhor – respondeu Mané.

Zé pagou o valor acertado e se mandou com a paixão da vida de Mané.

Mané utilizou boa parte do dinheiro para salvar a vida das três vaquinhas que restava, o restante guardou para garantir a compra da ração caso a seca persistisse por mais tempo. Toda vez que Mané chegava ao telheiro, um sentimento de tristeza o tomava, mas seu consolo era saber que as vaquinhas teriam o que comer durante toda a seca.

Um dia quando Mané levantou, percebeu que um carro estava estacionando em sua porta e foi olhar quem era, quando abriu a porta foi acertado por um soco de um homem que urrava de raiva como um jumento.

– Moço, o que tá acontecendo? – perguntou Mané

– Seu cretino! Você bateu em meu carro com aquela lata velha e nem parou – respondeu o homem enfurecido.

– Amigo eu não tenho carro nenhum! O que eu tinha vendi já faz uns seis meses – falou Mané com voz trêmula.

– Como não tem? Procurei informações no DETRAN lá da cidade e o carro tá registrado nesse endereço, no nome de um tal de Mané – Continuou falando o homem enfurecido.

– Eu vendi este carro pro compadre Zé já faz seis meses – tornou a afirmar Mané

– Muié! Chama lá o compadre Zé – Gritou Mané.

Passada uma meia hora chegou Genoveva, mais pálida que jumento quando apanha na chuva.

– Cadê o compadre, muié? – Perguntou Mané agoniado.

– Mané! Ele disse que vendeu o carro prum cara que ele nem conhece direito e entregou o recibo pra ele. O Zé disse que o problema num é dele não, que você procure o cara pra quem ele vendeu o carro pra resolver com ele. – respondeu Genoveva.

– Eu quero meu carro consertado, senão vou dar parte de você – disse o motorista enfurecido.

– Tá bom amigo! Quanto foi o estrago do seu carro? – Perguntou Mané com voz triste.

– Oito mil, trezentos e cinquenta e dois reias – respondeu o motorista enfurecido

– Tudo isso? – Perguntou Mané.

– Amigo! Meu carro é importado e as peças só são vendidas nos States, por isso são tão caras. – falou o motorista enfurecido aumentando ainda mais o tom da voz.

Para pagar os danos causados ao veículo do motorista enfurecido Mané teve que vender as três vaquinhas que lhe restaram e completar o valor com o restante do dinheiro da venda de sua linda D10. Ao final Mané ficou sem a D10, sem as vaquinhas e com um grande hematoma no olho esquerdo devido o soco que levou. Tudo isso por ter confiado em um “amigo” e não ter procedido a comunicação da venda da sua maior paixão.

Esse texto é apenas uma narração fictícia, porém o problema vivido por Mané é também vivido por pessoas que vendem seus veículos e não comunicam a venda ao DETRAN de sua região.

O código de trânsito brasileiro em seu artigo 134 determina que no caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação, ou seja, quando vendemos um veículo e não comunicamos a venda ao DETRAN, a responsabilidade pelo veículo continua sendo nossa até que se proceda a transferência.

*Lacerda Junior –   Professor, instrutor e examinador de trânsito

Leia também