Aracaju, 29 de março de 2024

Krauss defende exame da OAB e vê ataques à advocacia como represália

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Kraus

Em continuidade na série de entrevistas sobre o fim do Exame da OAB, proposto por Jair Bolsonaro, a equipe do Justiça Em Foco entrevistou o presidente da Seccional da OAB de Sergipe, Inácio José Krauss de Menezes. Na opinião do representante sergipano, a intenção de Bolsonaro em acabar com a prova da OAB está em andamento desde 2007.

De acordo com o presidente, que demonstra preocupação com a possibilidade de extinção da prova que habilita bacharéis em Direito para exercer a advocacia, esta foi uma conquista árdua para sociedade.

Justiça Em Foco: Como o senhor encara esse posicionamento do Presidente da República em querer acabar com o Exame da OAB?

Inácio Krauss: Com serenidade, mas com bastante preocupação, pois o Exame de Ordem é uma valiosa conquista da sociedade que garante ao cidadão uma espécie de filtro mínimo, onde são avaliados o preparo técnico e o rigor ético para o exercício da profissão, que se destina a defesa dos bens jurídicos dos próprios cidadãos. Nos tempos atuais, essa preocupação se avoluma e se torna ainda mais evidente quando nos deparamos com uma proliferação indiscriminada da abertura de cursos superiores de Direito país afora, sem o mínimo controle efetivo de qualidade e quantidade por parte do Ministério da Educação.

A OAB tem feito a sua parte fiscalizando e avaliando os cursos de Direito, emitindo pareceres opinativos dirigidos acerca das suas condições. Aqueles cursos que são aprovados pela OAB recebem da instituição um selo de qualidade denominado “OAB Recomenda”. É pena que esse selo e o parecer institucional não têm caráter vinculante junto ao MEC, mas seguimos na luta tanto em busca da melhoria da qualidade dos cursos de Direito, como no controle de sua quantidade para evitar o inchaço do mercado de trabalho, e as consequências nefastas dele advindas, tais como baixa qualidade do serviço, na seleção.

Infelizmente, esse posicionamento manifestado pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, não é algo novo. É de sua autoria o projeto de lei que busca acabar com o exame de Ordem, portanto, essa nossa luta não é nova, pois os ataques à advocacia são represálias que vez por outra entram em cena como revide a posturas altivas e altaneiras de nossa instituição. É preciso que a sociedade compreenda que a luta em favor do exame é dela, pois ele existe para proteção do próprio cidadão.

Justiça Em Foco: A forma como o Exame da OAB é aplicado hoje precisa de modificações? Se sim, quais?

Inácio Krauss: Advogo a ideia de que nada é perfeito e que sempre temos que buscar aperfeiçoar e melhorar, caso contrário, não haveria sentido em continuar. Com o exame não é diferente, é sempre possível aprimorar em busca da máxima excelência. Afinal, é papel da OAB selecionar os advogados e advogadas, segundo ditames da lei federal que disciplina nosso ministério privado. Penso que a prova deve sempre buscar avaliar questões práticas da advocacia, focar no rigor ético e também na função social da advocacia, inclusive, buscando trazer o profissional para conhecer e se sentir parte da sua casa, a OAB.

Justiça Em Foco: Como o senhor classifica o Exame da OAB hoje? Ele pode ser considerado fácil?

Inácio Krauss: Definitivamente, o Exame de Ordem não é uma prova fácil, mas também não se trata de monstro destinado a reprovar candidatos e candidatas. Classifico o exame como um instrumento técnico e ético de avaliação do mínimo necessário de aptidão para o exercício da profissão.

Justiça Em Foco: Caso a prova fosse aplicada durante a graduação do estudante, seria uma opção para melhorar o desempenho dos estudantes de Direito e das instituições de ensino?

Inácio Krauss: Não acredito que essa seja a melhor fórmula, desvirtuaria a essência do exame, este não tem vinculação direta com a graduação, até porque os bacharéis podem seguir diversas carreiras distintas do Direito, como: juízes, promotores de justiça, delegados de polícia, dentre outros. O Exame de Ordem busca avaliar o candidato à advocacia e não o curso de graduação. É claro que um bom resultado do exame é mercadologicamente utilizado como marketing pelas instituições de ensino, mas essa não é a sua missão institucional.

A tarefa de fiscalizar a qualidade das instituições de ensino superior e dos próprios alunos é do MEC, estando a OAB sempre disposta a colaborar nesse sentido, lutando inclusive para que seus pareceres sejam acatados pelo MEC, mas não podemos confundir o propósito do exame. Talvez essa confusão e desconhecimento da sociedade contribuam decisivamente para a generalização da crítica contrária ao exame.

Justiça Em Foco: Se o projeto de Bolsonaro for colocado em prática, como deverá repercutir no mundo jurídico? De quais maneiras as Seccionais deverão se manifestar?

Inácio Krauss: Por sorte, a opinião manifestada pelo presidente Jair Bolsonaro não é capaz de alterar a lei federal em vigor, é preciso que haja um debate democrático no Congresso Nacional e que lá seja aprovado um projeto de lei, previamente, para que aí sim seja sancionado pelo Presidente da República.

A aprovação de tal projeto teria uma repercussão bastante negativa no mundo jurídico, pois retiraria da OAB o instrumento capaz de selecionar os bacharéis aptos a se tornarem advogados e advogadas e passarem a defender os interesses do cidadão em juízo ou fora dele, ou seja, em tempos de banalização dos cursos superiores, queda da qualidade, inchaço do mercado, perderíamos o único instrumento que temos para resguardar o cidadão de profissionais inaptos ao exercício da profissão.

Justiça Em Foco: Sobre o custo do Exame, o senhor acredita que precisa se reajustar a realidade dos estudantes?

Inácio Krauss: Acredito que é sempre possível estudar e rever situações com intuito de aprimorar. A ideia é que o exame seja sempre acessível e democrático para todos. Não se tem qualquer interesse em selecionar bacharéis em razão da possibilidade ou não de arcar com os custos do exame, mas sim em razão de sua aptidão ética e técnica.

Por outro lado, um bom exame tem seus custos que precisam ser arcados pelos candidatos, já que a Ordem não conta com orçamento para tanto, pois somos uma instituição independente mantida apenas pela arrecadação das anuidades pagas pelos advogados e advogadas.
Portanto, é preciso investir em um exame sério, justo e democrático. Há algum tempo ele passou a ser unificado em todo país, sendo elaborado, aplicado e corrigido por instituições de renome no cenário educacional brasileiro, a exemplo da FGV.

Justiça Em Foco: Hoje, como o senhor avalia o cenário para a profissão de advogado? É a única profissão de elevado impacto social?

Inácio Krauss: O cenário atual não é dos melhores, vivemos tempos difíceis, tempos de crise generalizada, inchaço do mercado, mas tenho comigo uma certeza de que é justamente nesses momentos que surgem as oportunidades e que há uma espécie de seleção natural dos bons profissionais.

Historicamente, a advocacia brasileira compreendeu bem essa situação, sempre se agigantando nos momentos cruciais de nossa República, nunca fugiu à luta, ao contrário, sempre esteve disposta a liderar as reações e movimentos, Ruy Barbosa dizia que “o advogado pouco vale nos tempos calmos”. E é exatamente isso que acredito, nossa profissão é um múnus público, ministério privado com elevada função, conquistado historicamente pela coragem e pela luta, sempre em defesa dos ideais democráticos e do ordenamento jurídico.

Não somos os únicos e únicas, tampouco os melhores, mas, sem dúvida temos missões relevantes e diferenciadas, que nos foram constitucionalmente delegadas, das quais não podemos nos desvencilhar. Por exemplo, somos a única profissão nominalmente citada na Constituição Federal, com direitos e deveres.

Muitas vezes somos criticados por assumirmos posturas contra majoritárias na defesa das nossas causas e da própria sociedade, mas aí sim está a beleza e o impacto social de nossa atuação, defendemos a sociedade, sem precisar de procuração. Ora, se existíssemos apenas para seguir a maioria, rezar na cartilha, resignarmos como manada, de onde viriam as transformações sociais e as conquistas de direitos.

Von Hering pregava que “o fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta”. Então, estamos no caminho certo, vamos à luta em busca da paz social.

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