Aracaju, 18 de abril de 2024
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Lula não deve ser o ícone da prisão em segunda instância, escreve leitor

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O Supremo Tribunal Federal decidiu na última quinta-feira (07/11), por 6 votos a 5, pela inconstitucionalidade da prisão em segunda instância. A decisão vem após uma discussão que se arrasta desde 2009, em que o Supremo foi instado a decidir sobre a temática pela primeira vez. A discussão acalorou-se desde então, pela forte influência que provoca na efetividade do combate a corrupção no país.

Não quero fazer deste um espaço para discussão dos méritos da decisão. Há abundância de material de qualidade a respeito, restando os próprios votos dos ministros como boa fonte informativa. A ministra Rosa Weber proferiu um bom voto contrário à execução da pena, ao mesmo tempo que Edson Fachin e Luís Roberto Barroso sustentaram solidamente a constitucionalidade da prática.  Filio-me a esses últimos, e é essa posição de que parto na escrita deste singelo artigo.

A decisão final causou um misto de sentimentos: setores diversos da sociedade expressaram imensa indignação pelo ataque frontal, não só ao combate à corrupção, mas em toda efetividade da política criminal. Não obstante, uma parcela bem identificada da população a nível nacional, começara a comemorar tão logo a decisão fora proferida.

Evitei por três parágrafos mencionar o nosso ex-presidente ex-presidiário. A prisão/soltura de Lula tornou-se o fato central tanto para as alas políticas mais tradicionais, tanto da esquerda como da direita. Abundam teorias sobre a conexão direta do julgamento do STF com o futuro do Ex-pr2. Elas também não importam, a princípio.

O que está em jogo, como muito já foi dito, é o futuro do combate aos crimes de colarinho branco, bem como uma atuação republicana do sistema judiciário. Por algum tempo, com diversos tropeços pelo caminho, superamos a crença solidificada no consciente coletivo do nosso país, de que apenas os menos favorecidos eram alvo do sistema punitivo.

Quem nunca ouviu a teoria dos três P’s?

Destaca-se: desde a promulgação da Constituição em 88, o Supremo nunca foi instado a discutir sobre a matéria até o ano de 2009. Até então, cabia a cada magistrado decidir o início do cumprimento da prisão. Curioso notar: o caso era de um crime ocorrido em 1991, onde um fazendeiro matara outro homem no interior de Minas Gerais. Dezoito anos-recurso depois a ação chegou ao Supremo, que então decidiu pela inconstitucionalidade da prática. A tempo: o fazendeiro seguiu recorrendo até 2014, quando o crime então prescreveu. Nunca chegou a cumprir um dia de sentença.

Desde a AP 470, o famoso julgamento do mensalão, sentimos uma brisa de renovação. Vimos as figuras do mais alto escalão da República serem enfim condenados, e efetivamente cumprindo suas penas. A Lava-Jato, goste você dela ou não, seguiu essa mesma linha, dando esperança à população e deixando em alerta aqueles que assaltavam rotineiramente os cofres públicos.

Visto isso, fica fácil perceber que julgamento das ADC’s e suas consequências ultrapassam e muito a figura do ex-presidentiário Lula. Bater nesta tecla é um erro estratégico: muitas pessoas, bem-intencionadas, frise-se, nutrem tanto um apreço pelo combate à corrupção ao mesmo tempo que simpatizam com a figura e as bandeiras da esquerda. Por mais bipolar que isso possa parecer, é assim que funciona na cabeça de muita gente, ainda mais no FLAxFLU político em que vive hoje em nosso país.

Na mesma esteira, não gostar do governo Bolsonaro tem empurrado muita gente, automática e inconscientemente, para o apoio ao desmonte do aparato de combate à corrupção, travestido de oposição ao governo. Esquecem-se que ao libertar Lula, já libertaram Azeredo (PSDB), e vão deixar muitos tucanos, bolsonaristas e afins livres, leves e soltos. Se vampiro morrer, Temer morre três vezes até ter a sentença transitada em julgado.

Lula já se comparou a Cristo, é a alma mais honesta desse país. Não precisamos massagear seu ego. A questão que se apresenta é muito maior, muito mais urgente, e muito mais republicana que a soltura de um condenado em três instâncias. Não vamos deixar que ele se transforme no centro de uma discussão dessa importância para o futuro jurídico, político, e mediatamente, social deste país. Ele não tem dignidade para tanto.

*Matheus Ramalho é Bacharel em direito e militante de movimentos liberais.

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