Meu querido, inesquecível e saudoso amigo Dr. Afonso Alves, psiquiátrica de renome, narrava fatos e aventuras vividos ao longo de sua gloriosa carreira, por diversas plagas. Evidente, que eticamente, eram omitidos os verdadeiros nomes dos personagens. Num deles, segundo ele, aconteceu na cidade de Itororó, interior da Bahia, na região de Itabuna, cidade que ficou famosa e conhecida pela produção de “carne de sol”. Ao se formar procurou exercer a profissão no interior. Pois naquele tempo, como ainda hoje ocorre, era o Brasil carente de médicos. Um dia foi chamado por uma pessoa influente, da cidade, para atender um caso inusitado e vexatório. A filh a do cid adão se encontrava trancada dentro do quarto, chorosa e protestando inocência, depois do casamento acontecido na noite anterior, sendo que o noivo/ marido a devolveu pela manhã, ao pai, sob alegação de que não era virgem. Naquele tempo vigorava o Código Civil de 1916, somente revogado em 2000, o atual. Era rigorosamente machista, em obediência aos cânones da igreja católica. Não havia o divórcio, somente instituído em 1977, por ferrenha e demorada luta do senador baiano Nélson Carneiro. Constava do art.178, que prescrevia em dez dias o prazo para se requerer a anulação do casamento contraído com mulher que não fosse virgem, o artigo usa o termo deflorada. Era costume entre os povos árabes, que a noiva deveria, na manhã após a noite de núpcias, exibir um lençol manchado de sangue com o prova de sua virgindade. No Brasil não se chegava a tanto. Mas teria a mulher que ser virgem. Ao chegar na casa do cidadão, encontrou todos desolados, tanto os pais quanto o marido dizendo que a moça não era virgem, pois não houve derramamento de sangue. Pode-se pensar como não estavam todos frustrados e estupefatos depois da festa anterior, da alegria de ter uma filha casada. Pediu, então, Afonso para falar e examinar a moça. Ela muito abatida, humilhada com tal situação, jurou que nunca tinha tido contato com outro homem, sendo aquela sua primeira vez. Com o seu consentimento, resolveu fazer um exame mais acurado. Levou-a para o consultório, acompanhada pela mãe, onde depois de meticuloso exame, concluiu que era ela portadora de hímen complacente. Portanto, tal anomalia impedia a hemorragia quando do seu rompimento. Difícil foi convencer o irred ut&iacut e;vel marido de que a moça era virgem. Teve de bancar o professor de anatomia e explicar como ocorre em tais casos. O rapaz ficou, não só convencido, como levou a esposa para casa. Dias depois a surpresa. Pela manhã apareceu o marido, dizendo que vinha se despedir dele, pois estava se mudando de Itororó. Perguntado qual a causa, respondeu: “para não matar o senhor, seo doutor, pois o homem que viu as partes de minha mulher não carece mais de viver”. Afonso agradeceu a generosidade e como psiquiátrica, passou a estudar a mente humana. Em Itanhém, há relatos de moças e mulheres mortas durante os partos por não consentirem seus maridos que fossem assistidas por médicos do sexo masculino. Como advogado por mais de cinco décadas, patrocinei apenas três casos de anulação de casamento. Muito raro, sobretudo pe lo vexam e provocado pelo escândalo, em locais pequenos de costumes provincianos, onde predominam a ignorância e a bestialidade. As partes envolvidas evitam a exposição do acontecido e procuram se acomodar sem maiores detalhes traumáticos, que possam expor suas intimidades.
Há outros casos narrados pelo dr. Afonso, voltarei à eles oportunamente.
Itanhem, 03 e janeiro de 2020
Por Ary Moreira Lisboa é advogado