Aracaju, 25 de abril de 2024
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FIRMO: “O QUE ESTÁ POR TRÁS DA TRANSFORMAÇÃO DA ZONA DE EXPANSÃO EM BAIRROS?”

*José Firmo

O anúncio feito pelo prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, na última quinta-feira, dia 04 de março, de que o Poder Executivo estaria entregando à Câmara Municipal projeto de lei transformando a Zona de Expansão Urbana (ZEU) de Aracaju em seis bairros, mais do que causar estranheza, nos causa preocupação e até nos assusta.

Diante disso, a pergunta feita no título acima nos leva a conjecturar uma série de possibilidades que podem estar por trás da cortina de fumaça aberta pelo Chefe do Poder Executivo de Aracaju.

Não restam dúvidas de que a Academia, os conselhos representantes de classes, os sindicatos de categorias profissionais, as promotorias especializadas do Ministério Público Estadual, a Procuradoria da República em Sergipe (Ministério Público Federal), as entidades e os coletivos que debatem as questões urbanas e ambientais em Aracaju haverão de se posicionar sobre essa iniciativa, no mínimo, inoportuna.

De certa forma atitudes como estas, vindas do prefeito Edvaldo Nogueira, não representam surpresa. São preocupantes, são estranhas e até assustam, mas não surpreendem porque é o atual prefeito de Aracaju aquele que tem demonstrado, na prática, ao longo dos seus 10 anos e 10 meses como prefeito de Aracaju, maior desprezo pelo planejamento urbano e pelo meio ambiente.

O Plano Diretor de Desenvolvimento (PDDU) de Aracaju é um exemplo claro. A obrigatoriedade de revisão do PPDU se arrasta ao longo de todos os anos de titularidade de Edvaldo na Prefeitura Municipal de Aracaju.

Basta dizer que em mais de uma década como prefeito, Edvaldo Nogueira ou deixou de enviar o PDDU à Câmara ou enviou com alguma falha, o que fez com que o projeto retornasse ao Poder Executivo. E mais: no período em que mais a tentativa de revisão evoluiu na Câmara, o prefeito fez como Pôncio Pilatos: mesmo sendo o autor dos projetos de lei de revisão do PDDU e de criação dos códigos complementares e mesmo tendo – como sempre – maioria da bancada na Câmara, o prefeito Edvaldo Nogueira disse que estaria “liberando” a sua bancada de sustentação para votar como quisesse – inclusive e principalmente contra – os projetos de iniciativa do Poder Executivo.

Sem contar que nos últimos 20 anos, enquanto não revisa o seu Plano Diretor, Aracaju editou uma série de normas piorando as regras de ocupação do solo da capital sergipana e grande parte das leis que formam uma verdadeira colcha de retalhos foram de iniciativa ou sancionadas pelo atual prefeito, Edvaldo Nogueira.

Para os que já se esqueceram ou para os que não sabem, o prefeito João Alves Filho (2013-2016), deixou a proposta de revisão do PDDU completamente concluída, com dezenas de audiências realizadas, com um trabalho feito por uma equipe competente e séria. A equipe multidisciplinar, comandada pelo Secretário de Planejamento à época, Igor Albuquerque e que tinha acompanhamento e apoio direto de outros secretários, como Eduardo Matos (Meio Ambiente), deixou as propostas já em forma de projeto de lei, com todo o tratamento dentro da Técnica Legislativa.

Durante todo o seu último mandato (2017-2020), o atual prefeito Edvaldo Nogueira, engavetou o projeto sob a desculpa de que estaria fazendo um “pente fino”.

Todo o trabalho, constituído de diagnóstico, audiências públicas realizadas, meses de trabalho de vários técnicos e o custo de tudo isso arcado pelo contribuinte de Aracaju, foi jogado na lata do lixo, sabe-se lá por que motivo escondido pelo “pente fino” de Edvaldo Nogueira.

Ainda nesta linha do PDDU, a proposta de transformação de uma Zona de Expansão Urbana (povoados), em Zona Urbana (bairros) é tema do planejamento urbano e, consequentemente, da revisão do Plano Diretor.

Ora, se o prefeito vem anunciado que vai encaminhar a revisão do PDDU à Câmara, por que a pressa em encaminhar a transformação da ZEU em bairros? Por que não encaminhar a proposta de dentro da revisão do PDDU?

O prefeito Edvaldo Nogueira demonstra não saber ou não se importar que a definição de Zona de Expansão Urbana não é uma mera nomenclatura. Quis a população aracajuana, por meio dos seus legítimos representantes, os legisladores, que a cidade tivesse a sua área urbana, onde há maior infraestrutura e, portanto, há maior capacidade de adensamento populacional. Essa área urbana foi divida por bairros. E que a cidade tivesse uma área denominada de Zona de Expansão Urbana, cuja infraestrutura é insuficiente para se permitir a urbanização e cuja fragilidade ambiental requer dos gestores maior atenção (lei nº 873/82, de 01 de outubro de 1982).

Outra inverdade dita e que precisa ser desfeita: o fato de se chamar uma área da cidade de bairro, de povoado, de distrito ou algo que o valha, não facilita e nem dificulta o planejamento urbano e nem possibilita a chegada de mais obras, mais equipamentos urbanos e mais serviços públicos.

Aracaju passou por experiências recentes nesse sentido. A cidade criou os bairros  Dom Luciano (Lei 5.155, de 07/01/2019, D.O.U. 08/01/2019), desmembrando área do bairro Cidade Nova e o bairro Aruana (Lei 5.243, de 19/08/2019, D.O.U, 20/08/2019), desmembrando área da Zona de Expansão. Um dos argumentos usados pelos apressados defensores da criação dos novos bairros foi que isso facilitaria a chegada de novas obras nos novos bairros. Pura ilusão. Nada foi feito naquelas localidades por ter sido transformadas em novos bairros em Aracaju.

A Prefeitura de Aracaju declarou em vários momentos não ter dinheiro para contratar um partido urbanístico para a Zona de Expansão, bem como para a rede de esgotamento sanitário, para a rede de águas pluviais e para o sistema viário. Alega, há anos, que os investimentos passariam de três bilhões de reais.

A mesma prefeitura que vem recorrendo ou descumprindo decisão judicial sobre a interdição dos chamados cemitérios clandestinos e a construção de um novo cemitério ambientalmente adequado, além de disponibilizar às famílias dos mortos traslado e enterro digno em cemitério de outros locais da cidade.

A mesma prefeitura que não constrói sequer uma nova unidade básica de saúde (UBS) no povoado São José, por exemplo. Por falar em UBS, a sede da UBS Niceu Dantas, no povoado Mosqueiro, foi demolida há quase oito anos, tendo a população e a equipe de trabalhadores que usar uma casa improvisada por todos esses anos. Somente agora foi anunciada a construção do novo prédio da UBS. Ainda na área da saúde, há poucos dias o prefeito Edvaldo Nogueira definiu apenas cinco UBS para a vacinação contra a COVID-19. Nenhuma na Zona de Expansão, área que representa quase a metade do território de Aracaju. Como é sabido Aracaju dispõe de 43 UBS, somente três aqui na Zona de Expansão.

Em quase todas as áreas de serviço e equipamentos públicos municipais, a prefeitura deixa a desejar na Zona de Expansão. É a área com o pior atendimento em linhas de ônibus; na educação, não existe sequer uma escola de educação infantil (creche) em toda Zona de Expansão; nossas crianças, jovens e a população adulta não tem sequer uma praça ou outro tipo de área de lazer em todos os povoados; temos um déficit muito grande na iluminação pública e uma má vontade extrema da prefeitura quando o assunto é extensão de rede de iluminação pública ou mesmo quando se trata de autorizar a concessionária de energia a estender a rede de baixa tensão para o acesso da população pobre à energia elétrica; quase 100% das vias públicas municipais não têm drenagem de águas pluviais, não têm rede de esgoto e não são pavimentadas. A esse respeito, a prefeitura andou colocando resto de asfalto velho, retirado das avenidas, em algumas estradas da Zona de Expansão. Até aí, para quem não tem nada, tampos de asfalto usado foram bem-vindos. A grande surpresa é que o prefeito Edvaldo Nogueira colocou placas de inauguração de “espalhamento” de asfalto usado. E só não veio inaugurar porque a pandemia aumentou no meio do ano passado. Mas, as placas de “inauguração” do resto de asfalto foram afixadas por aqui.

Sobre a estranha e apressada iniciativa do prefeito Edvaldo Nogueira em transformar a Zona de Expansão em bairros, creio que algo precisa ser feito.

A Câmara Municipal, como representante do povo, não deve aceitar o debate desse assunto, antes e separadamente da revisão do Plano Diretor.

A Justiça Federal, onde tramitar ação e de onde partiu decisão suspendendo as obras até que o Saneamento Básico, na forma da lei, seja implantado aqui na Zona de Expansão, pode ser provocada pelo Ministério Público Federal, autor da ação, no sentido de que o Município de Aracaju, se abstenha de promover as mudanças anunciadas, desassociadas da revisão do Plano Diretor.

O Ministério Público Estadual pode analisar a inobservância à Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), visto que um dos instrumentos previstos são os debates, audiências e consultas públicas, o que a Prefeitura de Aracaju não fez para a promoção de alterações tão profundas no ordenamento urbano da cidade.

A Academia, os conselhos de classe, os sindicatos das categorias profissionais, as entidades representativas dos movimentos sociais podem articular mobilizações no sentido de pressionar o prefeito a desistir das mudanças de forma açodada.

A população moradora da Zona de Expansão sente a ausência do Poder Público Municipal, assim como o que ainda resta da flora, da fauna e dos recursos naturais precisa de proteção.

Não é hora de precipitar uma mudança tão importante para o planejamento urbano, em meio à pandemia e quando a cidade se prepara para voltar a debater o seu Plano Diretor.

*É especialista em gestão urbana e planejamento municipal pela UFS e integrante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju.

 

 

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