Investir em ciência e tecnologia nunca se mostrou tão necessário, embora esta seja uma “bola” cantada há anos por quem atua na área. E a chegada da pandemia por COVID-19 escancarou ainda mais essa questão. Mesmo com poucos recursos, as instituições de pesquisa e universidades brasileiras desenvolvem excelentes trabalhos na área, ao ponto de colocar o Brasil na 13ª posição no ranking dos países que mais produzem ciência no mundo. Uma destas instituições é a Universidade Federal de Sergipe, que neste mês de julho foi informada pela Times Higher Educations (do grupo Times), uma das principais publicações do mundo no quesito avaliação educacional, que a universidade sergipana ocupa o 1º lugar no País e o 9º na América Latina no quesito “citações de artigos”, além de estar na 62ª posição entre as 100 melhores universidades da América Latina. Para falar sobre este ranking e, também, sobre a importância da pesquisa científica, tecnológica e de inovação para Sergipe e para o Brasil, entrevistamos o Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Instituição, o Dr. Lucindo José Quintans Junior, que também é Vice-presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa do Brasil.
FAX AJU – No início da pandemia pelo novo coronavírus alguns pesquisadores brasileiros, a maioria ligados à Fiocruz, foram ameaçados por publicarem pesquisas que não indicavam o uso da hidroxicloroquina para pacientes com COVID-19 por não haver evidência positiva suficiente. Tempos depois, esta posição foi reforçada por pesquisadores de vários países. Na sua opinião, por que a ciência/cientistas foram tão rechaçados a esse ponto?
LUCINDO JOSÉ QUINTANS JUNIOR – Surpreendentemente, quando a ciência é mais essencial, mais necessária, estamos vivenciando um triste momento de negacionismo – a escolha em negar a realidade como uma maneira de enfrentar uma verdade desconfortável. Infelizmente, no Brasil, várias autoridades políticas, que deviam ser uma referência positiva acabam se tornando referências negativas por defenderem publicamente o negacionismo e, como esperado, a falta de razoabilidade tem sido o pilar dessas defesas. O caso da cloroquina, da hidroxicloroquina e da ivermectina para o tratamento da COVID-19 é algo que já está marcado de forma deletéria na história do Brasil. Temos outros exemplos que são igualmente surreais, como por exemplo, a liberação da fosfoetalonamina para tratamento de pacientes com câncer. É importante destacar que até o momento não há evidências clínicas e científicas suficientes que suportem o uso dessas drogas para a COVID-19, pelo contrário, os principais estudos científicos do mundo estão caminhando no sentido contrário. O uso off-label (cuja indicação do medicamento não está descrita na bula) dessas drogas para COVID-19 por profissionais que estão travando uma batalha muito cruel e buscando salvar seus pacientes é algo elogiável, digno de nota, e é completamente compreensível devido à falta de um tratamento específico, mas, deve ser tratada como tal e não como a salvação, pois, é um engodo perigoso e de resultado catastrófico. O aumento nos índices de mortalidade pela COVID-19 é uma prova incontestável de que ainda não existem tratamentos considerados “padrão ouro”. É um fato científico e inquestionável. Provavelmente, o desenvolvimento da vacina será a melhor saída e a que reduzirá drasticamente o número de mortes, mas, para desenvolver uma vacina é preciso muito investimento público. Os países desenvolvidos estão caminhando neste sentido. No Brasil, temos caminhado também para fazer parte dos grandes estudos de desenvolvimento de uma vacina para COVID-19. A desinformação através de fake news e a politização do tratamento da COVID-19 precisam ser combatidos, e as melhores práticas devem ser defendidas usando as bases científicas para tal. Quanto aos ataques às instituições como a FIOCRUZ e o INPE, que fazem ciência qualificada sendo, inclusive, referências mundiais, são ideológicos e negacionistas, assim, infundados, irracionais e deletérios para a própria imagem do país internacionalmente.
FA – Neste mês de julho, a Universidade Federal de Sergipe recebeu mais uma boa notícia: a de que o Times Higher Educations (do grupo Times, ), uma das principais publicações do mundo no quesito avaliação educacional, anunciou que a UFS ocupa o 1º lugar no Brasil e o 9º na América Latina no quesito “citações de artigos”. Ocupa, ainda, a 62ª posição entre as 100 melhores universidades da América Latina. O que essas posições representam, na prática, não apenas para a Instituição, mas, para Sergipe e o Brasil?
L.J.Q.J. – A Universidade Federal de Sergipe (UFS) completou, em maio, 52 anos de existência e nesse pouco mais de meio século veio construindo uma história sólida de busca pela qualidade em suas ações e serviços e igualmente uma inquestionável vinculação com os interesses da sociedade sergipana. O esforço para consolidar uma instituição de ensino superior no menor Estado da federação e na região mais pobre do Brasil, onde se concentram boa parte dos municípios brasileiros com baixo IDH é imenso e desafiador. Assim, um resultado como alcançado no THE é basicamente um prêmio e, de certa forma, é algo surpreendente, já que deixamos para trás universidades mais antigas, com maiores orçamentos, mais consolidadas e que se localizam nos grandes centros, no Brasil e na América Latina. Foi a primeira vez que a UFS configurou nesse ranking e iniciar sendo a primeira do Brasil no quesito “citações de artigos”, que é um dos principais indicadores de qualidade da ciência que se produz, demonstra de forma inequívoca que a Universidade está no caminho certo, que os investimentos vêm sendo bem feitos e que estamos, cada vez mais, consolidando a imagem de uma Instituição que passa a ser referência internacional.
FA – A UFS foi reconhecida, recentemente, por outros institutos de avaliação ou premiação?
L.J.Q.J. – Sim! Em 2019 a UFS foi premiada pela Clarivate Analytics (empresa americana proprietária das maiores editoras de jornais científicos do mundo) como sendo a instituição brasileira de maior impacto em pesquisas de Ciências da Saúde e a 4ª geral. Esses dados são públicos e podem ser acessados por qualquer cidadão no relatório “Research in Brazil: Funding Excellence”, encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – uma fundação vinculada ao Ministério da Educação) para averiguar quais as instituições brasileiras de maior impacto na ciência. Podemos dizer que a UFS foi uma grata surpresa para a CAPES. Por outro lado, precisamos nos preocupar com o cenário nacional, já que os sucessivos e agressivos cortes de investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) realizados pelos governos federal e estaduais já estão criando um sucateamento da infraestrutura instalada nas universidades brasileiras, inclusive na UFS, que precisa ser atualizada e modernizada constantemente; redução do número de bolsas de pesquisa e de Pós-Graduação, que são consideradas como sendo o salário do pesquisador, e que, portanto, irá comprometer os avanços alcançados até aqui, prejudicando o desenvolvimento tecnológico de Sergipe e o caminho de consolidação e de destaque que a UFS vem construindo. É essencial que as agências de fomento à pesquisa, tais como CNPq, CAPES e FAPITEC/SE retornem os investimentos em CT&I como uma política de Estado, ou teremos esse círculo virtuoso destruído. Em momentos como esses, em que enfrentamos a pior pandemia do século com a doença COVID-19, sem uma ciência forte, competitiva, atualizada e com robusto investimento do Estado estaremos cada vez mais susceptíveis ao acaso e às tecnologias externas.
FA – O senhor ocupa a Vice-presidência do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa do Brasil, portanto, acompanha bem de perto a realidade das Instituições de Ensino Superior do País nestes quesitos. Qual o panorama atual da Pós e da Pesquisa no Brasil e, em especial, em Sergipe?
L.J.Q.J. – O Brasil é o 13º maior produtor de ciência do mundo e possui um sistema de pós-graduação stricto sensu que é uma das principais locomotivas que impulsionam esse indicador, elogiado pelos maiores centros de pesquisa ao redor do mundo. Indicadores como esses, que destacam a qualidade da ciência que produzimos, foram construídos à base de políticas públicas desenvolvidas em conjunto com a sociedade e através de instrumentos como a criação do CNPq e da CAPES, o desenvolvimento do Plano Nacional de Educação e o Plano Nacional de Pós-Graduação, as políticas institucionais de avaliação dos indicadores e, certamente, o investimento nas universidades públicas. O fortalecimento das agências de fomento à pesquisa, tais como CNPq e CAPES, inclusive com orçamentos crescentes e diálogo com a sociedade foram essenciais para alcançar esses indicadores de sucesso também. Para se ter uma ideia, das 50 instituições que mais publicaram trabalhos científicos no Brasil, nos últimos cinco anos, 44 são universidades (36 federais, sete estaduais e uma particular) e cinco são institutos de pesquisa ligados ao governo federal (Embrapa, Fiocruz, CBPF, Inpa e Inpe), também mantidos com recursos públicos, além de um instituto federal de ensino técnico. Assim, o investimento público é essencial para que a CT&I se desenvolva num país. Exemplos mais recentes e inequívocos são China e Coreia do Sul. O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa do Brasil (FOPROP), que possui representação de todos os segmentos da educação superior brasileira, tem trabalhado incansavelmente para que os recentes retrocessos sejam revistos e que soluções sejam criadas dentro do diálogo com a comunidade. Temos conseguido ampliar o diálogo, mas, os avanços necessários têm sido prejudicados por um período muito conturbado no MEC, e pela falta de recursos no MCTIC.
FA – Países desenvolvidos investem massiva e continuadamente em pesquisa científica. O Brasil, ao que temos visto nos últimos anos, tem “andado” na contramão no quesito políticas públicas de investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. De quanto foram os cortes orçamentários nos anos 2019 e 2020, e quais as consequências deles?
L.J.Q.J. – Os recentes cortes orçamentários para o MCTIC e para o MEC têm gerado um retrocesso, sem precedentes, em um círculo virtuoso da ciência brasileira. A quase total ausência de editais estruturantes pela FINEP, dos editais estratégicos pelo CNPq, a redução de bolsas e mudanças intempestivas na CAPES e, por fim, a hibernação da FAPITEC/SE no lançamento de editais para pesquisa criam um cenário muito preocupante para o futuro da CT&I em Sergipe, por exemplo. Aliados a isso, é importante destacar que no ranking de inovação o país ocupa o 66º lugar entre 129 países, atrás de todas as nações do BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China) e, ainda, tem experimentado um declínio consistente no ranking, derrapando sempre entre a 60ª e 70ª posições nos últimos dez anos. Assim, produzimos muita ciência e de qualidade, mas, estamos engatinhando na inovação e, especialmente, na transferência de tecnologia. Por exemplo, em números aproximados apenas cerca 1,1% da produção científica brasileira está relacionada com a indústria, enquanto que em países como Alemanha e Estados Unidos cerca de 4,4% e 3,1%, respectivamente, da produção científica está relacionada com a indústria. Assim, é essencial e urgentíssimo o retorno dos investimentos em CT&I e a criação de uma política que igualmente incentive as parcerias público-privadas (PPP’s) na geração e desenvolvimento de produtos. A desoneração de empresas de base tecnológica e a desburocratização são barreiras que já deveríamos ter vencido. Portanto, os recentes cortes nas áreas de educação e CT&I estão prejudicando o nosso desenvolvimento, mas, a falta de uma política assertiva para o MEC e para o MCTIC são mais prejudiciais ainda, em minha opinião.
FA – Como os cortes orçamentários têm refletido na Pós-Graduação brasileira?
L.J.Q.J. – A Pós-Graduação brasileira vem passando, nos últimos quatro ou cinco anos, por questões sérias de redução de investimentos, mudanças intempestivas de políticas e desestímulos sistemáticos, algo que é incompreensível para um país que ainda tem um longo caminho a percorrer no que diz respeito a reduzir as assimetrias nacionais (algumas regiões, as mais ricas, possuem mais programas de Pós-Graduação e melhores fontes de recursos), e que necessita urgentemente ampliar a formação e qualificação de seus professores. Os nossos péssimos indicadores na educação são um dos maiores desafios do país e não estão sendo discutidos apropriadamente. Assim, os cortes nos orçamentos da CT&I e na educação, como um todo, que vêm sendo continuamente executados pelos governos federal e estaduais só aumentam nossa dependência de tecnologias externas, que são caras e, muitas vezes, não conversam com as necessidades locais, colocando o país de joelhos para os novos desafios que vêm sendo criados para a humanidade. Investir em CT&I e educação não é uma opção para o Brasil, é uma questão essencial e deveria ser inegociável para a soberania nacional e a construção de futuro. Como tenho cansado de dizer: sem ciência e educação, não há futuro.
FA – O Brasil tem políticas assertivas na área de Ciência e Tecnologia?
L.J.Q.J. – O país possui o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, que foi criado em 1969 e possui um único objetivo: financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico com vistas a promover o desenvolvimento econômico e social do País. É algo incompreensível que o FNDCT, que foi criado exclusivamente para fomentar a CT&I, seja continuamente contingenciado por sucessivos governos. Apesar disso, no final do ano passado, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 78/19 que alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar 101/00) proibindo o contingenciamento orçamentário dos recursos do FNDCT. Foi uma decisão acertada e que conversa com o propósito do fundo, mas, na prática, nada mudou ainda. Veja só, durante a pandemia da COVID-19, momento em que milhares de pessoas estão morrendo e onde os centros de pesquisas no Brasil estão necessitando urgentemente desses recursos, parte continua contingenciada. Os recursos do FNDCT deveriam estar nos laboratórios de pesquisa e em projetos associados com a indústria farmacêutica, por exemplo, ou de insumos para o desenvolvimento de kits diagnósticos mais confiáveis, no desenvolvimento de EPIs com soluções inovadoras, etc. É preciso se questionar: por que parte desses recursos não estão fomentando startups de base tecnológicas? Por que não estão sendo utilizados para estudos de desenvolvimento que associem universidades e centros de pesquisas com empresas? A resposta é simples: não há uma política assertiva para CT&I que dialogue com as necessidades do país e com nossos desafios. É urgente a construção de uma política de estado para a CT&I nacional, na qual qualquer viés político seja colocado de lado e que a razoabilidade, as boas práticas científicas, a inovação e a inclusão social sejam pilares.
FA – Para que fique ainda mais claro a importância da ciência para uma Nação, de que maneira ela ajudaria no desenvolvimento econômico e social?
L.J.Q.J. – De forma direta: investir em ciência é investir na soberania nacional. As nações desenvolvidas sabem que o investimento em educação qualificada e no desenvolvimento científico são questões inegociáveis e basilares em suas políticas de estado. Os resultados são facilmente visualizados nos indicadores de desenvolvimento humano e tecnológico.
FA – É sabido que não amamos o que desconhecemos. Na sua opinião, falta à pesquisa científica brasileira a devida divulgação para que a sociedade tenha maior propriedade sobre esta importância e possa ajudar na luta em defesa dela?
L.J.Q.J. – Uma das maiores cientistas brasileira, a Prof² Helena Nader (Ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC), tem dito que “os pesquisadores falam para convertidos”, ou seja, normalmente usamos uma linguagem e uma forma de nos expressar que só as pessoas que transitam na área de CT&I entendem. De fato, os pesquisadores têm dificuldade para dialogar com as pessoas que não são de suas respectivas áreas. É, ao meu ver, um problema cultural e de difícil solução. As universidades e institutos de pesquisa têm buscado melhorar a comunicação e nos últimos meses temos visto matérias sobre CT&I em meios de comunicação de massa como nunca tínhamos visto antes. É um caminho que a academia está aprendendo a usar melhor. Universidades com maior estrutura e orçamento, como a USP, têm investido bastante na política de divulgação e tem sido um bom exemplo para as demais. Aqui, na UFS, criamos espaços específicos no site da universidade e estamos cada vez mais ampliando a divulgação do que os nossos pesquisadores estão fazendo na rádio e na TVUFS, mas, acredito que os desafios para os próximos anos é profissionalizar mais a divulgação científica e a popularização da ciência. É um desafio para todos que fazem a UFS.
FA – “É preciso haver um choque de iluminismo para que a razão e a ciência sejam mais valorizadas no combate ao coronavírus”. “É preciso armar o povo com Educação e Ciência”. Estas duas frases são do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, ditas durante o mês de maio deste ano. A primeira foi durante entrevista para o jornal O Globo, e a segunda, durante o discurso de posse dele como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O que o senhor teria para falar sobre estas duas afirmações?
L.J.Q.J. – O ministro foi muito feliz em suas afirmações. Editoriais de grandes jornais mundiais, como New York Times e The Washington Post têm feito duras críticas à forma que o Brasil tem conduzido o tema. Estamos a basicamente 60 dias sem ministro da Saúde durante a maior pandemia desse século. É algo incompreensível e ilógico. O que pode ser mais irracional que isso? O próprio presidente norte-americano, que é considerado pela comunidade internacional como uma referência negativa no combate à COVID-19, tem realizado, publicamente, críticas ao Brasil sobre o tema. Se tornar o epicentro da pandemia é uma prova inquestionável de que estamos no caminho errado. Se fizermos uma comparação com nossos vizinhos sulamericanos estamos em situação constrangedora. Milhares de pessoas estão morrendo por falta de decisões políticas acertadas. Assim, usar a ciência como o principal pilar das decisões governamentais seria, talvez, o primeiro passo para tentar ajustar esse rumo.
Por Andréa Moura