*José Firmo
Por ação, por omissão ou por coação a antiga Zona de Expansão Urbana de Aracaju, assim denominada pela Lei 873/1982 e extinta pela Lei 5.373/2021 (alterada pela Lei 5.570/2023), hoje está praticamente submersa, embaixo d’água.
Num piscar de olhos, a área que tinha o metro quadrado mais caro da cidade, se viu afundada nas águas e nos valores. Vários são os atores responsáveis por inviabilizar totalmente quase a metade do solo da capital sergipana. Por se tratar de legislação predominantemente municipal, prefeitos e vereadores são os principais culpados no âmbito do Poder Público. E eu acrescentaria a esse grupo principal parte do chamado mercado imobiliário.
Essa inviabilidade e consequente desvalorização do solo dos novos bairros da antiga Zona de Expansão Urbana de Aracaju era algo anunciado. Era uma bomba de efeito retardado ou uma bomba relógio, cuja detonação chegou um pouco mais cedo.
De certo modo, a implosão dos problemas nessa metade de Aracaju, pode ter vindo para mostrar àqueles omissos e (ir)responsáveis que não se brinca com o meio ambiente.
Cá do meu pouco alcance sobre esse problema, acredito que os responsáveis pelo caos, possivelmente imaginavam que a bomba-relógio só iria explodir daqui a algumas décadas, quando alguns já teriam auferido os respectivos lucros e outros já teriam contribuído – com a omissão ou com a ação – com os crimes ambientais.
As consequências danosas para a antiga Zona de Expansão, com a forma como dunas são usadas para aterrar lagoas e manguezais, e sobre elas dezenas de condomínios de alto padrão são construídos, já chegaram.
Até há poucos anos, aqui ou ali, éramos os pobres e nativos quem pagávamos o preço da destruição. A partir de agora a água, literalmente, bateu no queixo de todos, inclusive de uma classe média, hoje, acuada dentro dos condomínios e das chácaras também alagados.
Outra coisa precisa ser enfaticamente pontuada: por longas décadas a população local era predominantemente formada por nós pobres e, por mais que tivéssemos invernos rigorosos, a nossa convivência com as lagoas sempre foi pacífica. Não se tinham relatos de alagamentos, desabrigados ou algo do tipo. As lagoas eram meio de subsistência. Nas lagoas se criavam aves, como patos. Nas lagoas se criavam e se pescam peixes. Ao redor das lagoas, nas suas terras férteis do verão, se plantavam de tudo: cana, batata, macaxeira, abóbora, melancia, feijão, milho, etc. Regra geral, quem aterra lagoas e manguezais, quem demole dunas, quem ocupa irregularmente as margens dos rios são as grandes construções.
Com isso, quais as soluções para este problema? Por hora nada mais do que os paliativos que vêm sendo feitos, com a Defesa Civil tentando meios para escoar as águas pera o mar e para o rio. Também de imediato a Prefeitura de Aracaju deveria suspender a concessão de novos licenciamentos e, na medida do possível, revogar tudo que pudesse. Neste caso eu digo que deveria, no futuro do pretérito, por não acreditar nesse gesto por parte da prefeitura.
A médio e longo prazos não há mais como postergar a revisão da legislação urbana e ambiental, sobretudo a atualização do Plano Diretor, perdida nas gavetas palacianas.
Se o órgão licenciador municipal já comete o erro ao permitir certos empreendimentos na antiga Zona de Expansão, causando esses danos irreparáveis, a prefeitura não pode dobrar o erro “enterrando” dinheiro público para represar as lagoas naturais, as quais são receptoras das águas pluviais, transformando-as em canais.
O povo aracajuano não pode se dar ao luxo de contrair altíssimos empréstimos para preparar o terreno (leia-se, segmentar e represar lagoas) para o deleite de meia dúzia.
Como se sabe, os bairros Robalo, São José dos Náufragos, Gameleira, Areia Branca, Matapoã e Mosqueiro estão com graves problemas de drenagem, dentro e fora dos condomínios. É bem provável que qualquer pessoa que pensa em adquirir um imóvel, seja como investimento, seja por necessidade de morar, a partir de agora, vá pensar duas vezes, antes de procurar imóveis nesta região.
Se parte do ávido mercado imobiliário, assim como a maioria dos últimos prefeitos e a maioria dos últimos vereadores não tiveram o devido cuidado com a antiga Zona de Expansão, as chuvas, por ironia do destino, trataram de dar um susto em todos.
Se bem que as chuvas, tão somente, não assustam tanto. Quem mais assusta são os maus parlamentares e maus gestores, os quais, juntamente com parte do mercado imobiliário, vêm transformando a expansão de Aracaju numa verdadeira zona.
*Integrante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju e Especialista em Gestão Urbana e Planejamento Municipal