O fortalecimento dos laços de união para o combate ao racismo contra os povos indígenas de Sergipe foi o resultado do Colóquio ‘Narrativas Indígenas para Além do 19 de Abril’, organizado pelo Coletivo de Combate ao Racismo do SINTESE – Kilomaloca, no auditório da Central Única dos Trabalhadores (CUT/Sergipe), na tarde do sábado, dia 20 de agosto.
O encontro da advogada e mestra Denizia Kawany Fulkaxó, com a coordenadora do Núcleo dos Povos Originários e Quilombolas da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE Dra Isabella Sandes, a professora e militante do SINTESE Maria José Filha e o professor e mestrando em História Ivanilson Martins Xokó rendeu um resgate histórico emocionante. Os palestrantes compartilharam conhecimentos sobre a cultura dos povos indígenas de Sergipe, esclareceram dúvidas sobre História e houve momento de falar sobre cantos de cura e até o significado das penas usadas no cocar.
O presidente da CUT/Sergipe e do SINTESE, Roberto Silva, fez a abertura do Colóquio
destacando que espaços como esse são fundamentais para discutir formas de resistência.
“Estamos vivendo um momento muito difícil na história do Brasil. Bolsonaro é fruto de um
golpe que ocorreu em 2016. Os golpistas diziam que Dilma tinha que sofrer impeachment por causa do ‘conjunto da obra’. E estamos vendo aí qual foi a ‘obra’ construída após o golpe: um conjunto de ataque aos direitos sociais, trabalhistas, previdenciários e os povos indígenas estão entre os mais atacados desde o governo Temer. O ataque foi intensificado no governo Bolsonaro, por isso temos a obrigação política de eleger Lula no primeiro turno e combater esta tentativa de Bolsonaro de deslegitimar as eleições”, declarou o presidente da CUT Sergipe/SINTESE.
A secretária de Combate ao Racismo da CUT/Sergipe, Arlete Silva reforçou a necessidade de
combater o racismo dentro das escolas. “O nosso Coletivo é de combate ao racismo contra os povos negros e indígenas. Enquanto coordenadora geral, tenho inclusive a preocupação de encomendar o mesmo número de camisas que nos representam (vermelha/negro e
verde/indígena) porque entendemos que o racismo atinge os dois povos de forma peculiar
mas igualmente danosa. Às vezes você convive com uma pessoa indígena e não sabe, e essas reflexões fazem com que ela se sinta segura para se autodeclarar, e nós compreendermos de verdade a história do nosso país”.
Este esforço educativo está na história de vida da mestra Denizia Kawany Fulkaxó, autora de
livros que contam a história de povos indígenas do Brasil. Em sua palestra, ela explicou que o
último censo de 2010 registrou a existência de 355 povos indígenas conhecidos e mais 150
povos que não querem nenhum contato com a civilização.
“O termo índio remete ao colonizador que queria chegar às Índias, então o nome que
representa melhor nossa identidade é o termo ‘povo indígena’. O Dia Internacional dos Povos
Indígenas deve ser comemorado, precisamos começar a contar outra história. Somos parte
deste país e há muita ignorância e invisibilidade sobre a nossa cultura e a nossa história.
Usamos as pinturas como roupa, nossa pintura tem significado, nossas canções têm
significado, existe um universo cultural sobre os povos indígenas que o Brasil desconhece e a
educação brasileira também desconhece por isso não aplica em sala de aula”, destacou.
Denizia Kawany Fulkaxó ressaltou que as comunidades indígenas não ficaram ‘congeladas’ no passado. Temos povos indígenas na saúde, na educação, na ciência, na pesquisa,
mas passam a ideia de que vivemos na mata apenas, como se o tempo
não tivesse passado. A nossa vida nós vivemos todos os dias e ninguém deixa de ser indígena porque está vestindo roupa, usando sapato, ou usando um celular”.
Ivanilson Martins Xokó também se dedica ao estudo desta história ocultada dos povos
indígenas do Brasil, principalmente do nordeste. Formado e mestrando em História pela UFAL, Ivanilson fez um resgate da história do povo Xokó do século 17 aos dias atuais. O indígena Xokó conta que saiu de sua comunidade para estudar o curso técnico de Agroindústria em Poço Redondo/SE, depois foi aprovado para Letras na UFAL, mas não tinha como cursar porque o curso era diurno e ele já trabalhava.
“Após transferência para o turno noturno, entrei no curso de História que finalizei em 2020 e
não parei mais de estudar. Foi assustador ouvir na universidade as mesmas narrativas
preconceituosas sobre a população indígena, mas ao invés de me entristecer, decidi tomar as
perguntas preconceituosas de muitos colegas como forma de me fortalecer mesmo, e aprendi a construir uma parede de resistência nesses ambientes. A luta dos povos indígenas é uma luta diária, permanente, bastante forte. Essas questões da nossa vivência, quem passa por isso sabe o quanto são árduas, até o momento em que a gente consegue superar. Este ano, concomitante ao mestrado, finalmente estou fazendo o curso de Letras que era meu sonho.”, contou feliz Ivanilson.
MARCO REGULATÓRIO DO RETROCESSO
Natural do município de Poço Verde, coordenadora do Núcleo dos Povos Originários e
Quilombolas da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE, Dra Isabella Sandes também revelou sua história de bisneta da indígena Nanã Kiriri Xokó, sequestrada aos 14 anos da comunidade indígena Mirandela, em Banzaê/BA, violentada e escravizada por família branca de Poço Verde que a registrou com o nome de Josefa Santos.
A advogada Isabella contou que sua avó lhe deu um cocar de presente, e que ainda guarda da bisavó Nanã os cabelos emoldurados e uma cuia talhada que foi dada de presente. “No
momento em que minha avó foi sequestrada, aquele foi o único objeto de sua comunidade,
que ela conseguiu guardar como lembrança. Minha avó foi sepultada com o nome de cristão
Josefa Santos, isso me magoa muito por pensar em tudo que a minha bisavó passou e porque ficamos sem registro oficial da nossa ancestralidade indígena.”
A advogada da OAB citou também o Marco Temporal aprovado no Congresso Nacional
recentemente no governo Bolsonaro como o aval do estado brasileiro para que comunidades
indígenas continuem sendo expulsas de suas terras, sofrendo violência, sequestro, estupros, a
exemplo do que a sua bisavó e tantas outras sofreram no passado.
“Por isso é vital que a gente consiga derrubar este desgoverno. O que vemos hoje? Todo o passado se repetindo. Comunidades indígenas perseguidas, perdendo terra, garotas sendo sequestradas, estupradas. O marco temporal é uma tese dos ruralistas que querem tomar nossas terras definindo que as terras indígenas só podem ser consideradas após 1988, que é a data da Constituição. É inaceitável este argumento para nos roubar nosso direito à terra novamente”, reforçou.
Isabella Sandes se colocou à disposição para a luta contra o racismo que atinge comunidades indígenas e afrodescendentes. “Nossa sociedade é completamente enraizada pelo preconceito. Se você não é da família da linhagem dos colonizadores você é minoria, é silenciado, não lhe é dada a sua importância. Precisamos levar estas informações para os nossos pequenos. Nós, da OAB, queremos conhecer as comunidades indígenas que temos no estado de Sergipe, levar o conhecimento dos direitos dos povos indígenas para os povos indígenas”.
A professora Carine Pinto, também convidada do Colóquio, justificou a ausência informando
que estava com sintomas gripais.
HOMENAGEM A MARIA JOSÉ FILHA
Ponto alto do Colóquio foi a entrega de uma tiara indígena em homenagem feita pela
comunidade indígena Xokó, a pedido da professora Edinalva Mendes (Edi Serigy), à professora Maria José Filha, que aos 80 anos se autodeclara indígena, por ser filha de mãe indígena da região Mata do Cambaú, hoje município de Maruim, no vale do Cotinguiba.
Ao resgatar sua história, a professora aposentada, militante ferrenha do SINTESE, emocionou
os presentes com as suas recordações.
“Minha mãe tinha um prato de barro grande, que ela colocava no chão, nos colocava ao redor dele, fazia bolinhos de feijão com farinha e dividia entre todos nós (…) Com 16 anos conheci o Movimento de Evangelização de Jovens Operários e comecei aí a
minha vida política, pelo dia trabalhava como empregada doméstica e à noite fazia o curso
Pedagógico”, revelou Maria José.
Na época da Ditadura Militar, Maria José chegou a fazer parte da resistência contra a Ditadura.
“Vi companheiros e companheiras sendo presos e perseguidos politicamente, os perseguidos
militares eram acolhidos por nós trabalhadoras domésticas em um núcleo de resistência. Foi
um momento muito difícil, o perigo que passamos e o medo de ser eliminado era constante”,
recordou.
A luta junto ao Magistério de Sergipe ocorreu depois de 1974, quando foi aprovada em
concurso público e foi trabalhar no município de Salgado. “Foi na militância política do
magistério que então me reconheci como filha de pai negro e mãe indígena numa sociedade
colonizada por brancos onde o preconceito é também uma arma de opressão, e sempre tive
comigo que devemos lutar para mudar esta sociedade”, afirmou Maria José.
“Como Tupinambá e idealizadora do Colóquio ‘Narrativas Indígenas para além do 19 de Abril’, fiz questão de prestar essa homenagem a toda história de vida de D Maria José. Ela é
resistência e sabedoria. Nossa anciã que nos conduz na luta e na esperança por um mundo
justo”, finalizou a professora Edinalva Mendes, diretora do Departamento de Assuntos Educacionais do SINTESE e também membro do Kilomaloca.
Foto assessoria
Por Iracema Corso
