Aracaju, 14 de setembro de 2025
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Bancário Amigo, escreve o advogado e bancário aposentado Carlos Morais Vila-Nova

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Por Carlos Morais Vila-Nova*

Quase sempre a escrita começa por uma ideia ou por determinado acontecimento, que motiva a associação dos pensamentos para produzir um texto, em razão de algum conhecimento adquirido ou mesmo sobre um tema já  vivenciado.

Desse modo, mais ou menos assim ocorreu com o mais recente dia do bancário, transcorrido no último 28 de agosto, que serviu como motivação para esse registro daquele tempo no banco, que ainda absorvia os reflexos das acentuadas transformações, provindas da  tecnologia, que passava a tomar conta de tudo.

Assim, a partir de meados da década de 1990 ocorreu um processo acentuado de informatização e automação, no qual a maioria das agências do banco foi dotada de terminais para saques e vários outros computadores com múltiplas funções. Só que, paralelamente, ocorreu uma redução significativa de funcionários, mediante programas de desligamento e de aposentadorias incentivadas.

Naquele período, a modernização do banco e as metas estipuladas provocaram acentuado aumento de clientes e nesse contexto novas diretrizes chegaram com mais ênfase, no sentido de melhor discernimento, tendo em vista que a diminuição do material humano já não permitia aquele atendimento personalizado de costume.  Portanto, premente era a necessidade de direcionar os usuários para os canais alternativos e para as centrais telefônicas gratuitas, de forma a reduzir o tempo gasto com os serviços presenciais.

Logicamente eram novos tempos e muitos dos funcionários estranhavam, pois tudo passava a ser tão diferente. No entanto, não havia outra saída, senão adaptar-se para não sucumbir no tão sonhado emprego. .

Naquele contexto existiam reiteradas reuniões e o assunto vinha à tona; havendo muita discussão em relação à carência de prestadores no atendimento; e, paralelamente um outro ponto agravante, que era a forma como os clientes insistiam no atendimento personalizado, decorrente da aversão ao uso dos canais alternativos da internet.

Ademais, a clientela de forma recorrente abordava com dúvidas e questionamentos. Desse modo, um amigo bancário naqueles tempos valia muito porque a questão cultural era mais forte e a agência ficava com os guichês de caixa lotados..

Quando o supervisor passou a atuar houve melhoria, face ao trabalho de conscientização, no sentido dum reposicionamento.  Desse modo, começou a propagação sobre os grandes centros do país, que já haviam adotado nova postura, seguindo os bancos americanos e europeus. Afinal, o banco estava numa cidade do interior nordestino, mas se tornava necessário adotar a cultura do autoatendimento, mediante os chamados canais alternativos da internet, cashs, centrais telefônicas e pela via do dinheiro plástico (cartão de crédito).

Mesmo assim, pouco avanço na conscientização e um verdadeiro trabalho de formiguinha. Todos os dias, aquela avalanche de clientes! Quem tinha um amigo na agência usava de algum artifício e os mais extremistas furavam até a fila e entregavam envelopes à vista dos demais. Naquele ambiente, um funcionário incomodado dizia sempre que um amigo de verdade não colocaria o outro em dificuldade, principalmente diante duma fila.

Mas, o que vigorava mesmo era a amizade bancária para contornar as necessidades, principalmente dos amigos e parentes..

Outrossim, naquela fase conturbada, incomodavam também as muitas histórias contadas por antigos funcionários sobre os tempos áureos de bonança, quando os recursos eram abundantes e os servidores ganhavam bem mais, mesmo com um quadro mais vasto de funcionários.

Por conseguinte, na onda dessa transição restavam 15 (quinze) funcionários miscigenados entre antigos e novos na agência. Dessa maneira os dias seguiam e o cotidiano era o mesmo, uns dias melhores, outros mais difíceis. Aliás, os dias estavam relacionados ao estado de humor de cada funcionário e a capacidade dele em contornar as dificuldades.

Num dia desses, ou melhor, era uma segunda-feira com o banco lotado, fila quilométrica e muitas reclamações; quando um funcionário de bom coração e amigo estava bem, atendeu um, dois, três, quatro….. De repente apareceu aquele vizinho, que se aproximou como quem não queria nada, fez um cumprimento e falou sobre algumas lorotas. Era mais especificamente um senhor tradicional da cidade, de quase sessenta anos (parecia ter mais), que chegando desse jeito, logo após tirou um cheque do bolso e pronunciou de maneira sorrateira:

– É só um chequinho.

Assim, o dito funcionário deu atenção ao senhor, olhou para o cliente à frente da fila e pediu licença:

-Moço, vai ser rápido.

Depois olhou o cheque de R$ 5.000,00 de emissão de terceiro, correu para o arquivo de autógrafos e não encontrou o cartão. Em seguida buscou a pasta (dossiê de cadastro), que deveria conter o registro da assinatura, mas também não localizou. E agora?  Sem as alternativas, voltou para o guichê e estava uma gritaria, reclamação e o primeiro cliente à frente balbuciando:

-Vamos rapaz.

Diante da pressão, ele foi processar o documento assim mesmo, sem conferir a assinatura; digitou a transação para processar o cheque, passou na leitora do código de barras e aí apareceu a mensagem de insuficiência de fundos. Aliviado, suspirou e falou:

– Graças a Deus!

Assim, sem entender, o vizinho e dono do cheque perguntou:

– Como é que é?

E o funcionário respondeu de novo:

-Graças a Deus

E fez uma pequena pausa e se desculpou:

– Desculpe, tá sem fundos (sic).

Desse modo, o dia do bancário, 28 de agosto, é uma justa homenagem para quem, cotidianamente, mesmo não atuando nos tempos da transição tecnológica, enfrenta desafios diários e exerce um papel importante como agente de intermediação financeira, atuando no desenvolvimento econômico e social.

*Carlos Morais Vila-Nova é advogado de Estância, bancário aposentado

 

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