*Luiz Eduardo Oliveira
Viver, na maioria das cidades brasileiras, constitui risco de morte iminente pelas mais variadas causas, os dados sobre a violência podem ser encontrados no Fórum Brasileiro de Segurança Pública e no Atlas da Violência, ambos de 2023. O trânsito continua tendo um papel relevante.
Carvalho e Guedes, 2023, relataram que no Brasil houve um aumento de 13,5% de mortes absolutas em relação à década passada (2000 a 2009) em termos de sinistros em transporte terrestre, englobando atropelamentos, sinistros com bicicletas, motocicletas, automóveis e outros veículos terrestres. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 5.568 municípios e são nesses espaços onde a maioria da população vive, no caso do nosso país 86% da população é urbana, pois vivemos no continente mais urbanizado do mundo e somos o pais mais urbanizado da região. Com uma população que já passa dos 211 milhões de habitantes e com uma concentração de pessoas vivendo nas cidades, o sinal de alerta deveria estar acionado há tempos, pois muitos fatores levam à violência nas cidades e entre eles, as péssimas condições de mobilidade urbana.
Aracaju enfrenta problemas na mobilidade urbana compatível com as demais capitais brasileiras, calçadas em condições que dificultam e impedem o vai-e-vem das pessoas, aumento da motorização, modelo que prioriza o automóvel, aumento no tempo de viagem e de espera nos mais variados meios de transporte, superlotação no transporte público, redução da frota (pública) o que pode ocasionar impactos na saúde mental dos usuários, além de perdas econômicas pelo tempo perdido em deslocamentos ou no custo das passagens.
Como vivemos em um Estado “democrático” e legalista, necessário se faz recorremos ao nosso tão citado arcabouço jurídico que alçou o transporte como um direito social, através da emenda constitucional 90, de 2015, ao lado de outros direitos como a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, laser, segurança, entre outros. A Constituição Federal do Brasil nos seus artigos 21,22, 30, 182 e 183 fornecem as diretrizes para a elaboração das políticas públicas referentes ao transporte urbano, considerando-o como um serviço essencial imputando aos municípios a responsabilidade pela organização e promoção dos serviços de transporte locais, de maneira direta ou por meio de contratos de concessão, estabelecendo princípios para o Estatuto das Cidades e para a Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Na Constituição do Estado de Sergipe encontraremos as previsões sobre transporte nos artigos 18, 167 e nas Disposições Constitucionais Gerias, no artigo 57, prevê as adaptações necessárias para a efetivação do transporte coletivo de deficientes físicos. Alguém já viu essa adaptação pelas ruas
de Ará?
Temos ainda a previsão no Estatuto da Cidade que previu a garantia do direito a cidades sustentáveis, com diretrizes para o desenvolvimento urbano sobre o transporte e mobilidade urbana, entre outros e que exigiu o planejamento do transporte urbano em cidades com mais de 500 mil habitantes.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana estabeleceu uma série de princípios, entre eles a acessibilidade universal, o desenvolvimento sustentável das cidades, a equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo, segurança nos deslocamentos das pessoas, eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana e proporcionou uma inversão de prioridades colocando os pedestres como os principais amparados pela política, logo após vêm as bicicletas, o transporte público, as cagas e, por último, os veículos individuais motorizados. Aracaju precisa urgentemente se adaptar às exigências legais.
A Política também estabeleceu o Plano de Mobilidade Urbana como seu instrumento de efetivação e obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes. O Plano Diretor de Mobilidade de Aracaju, de 2015, foi elaborado para possibilitar condições adequadas de deslocamento, universalização de acesso à cidade, controle de expansão urbana, qualidade ambiental, democratização dos espaços públicos e gestão compartilhada. Aracaju, legalmente, está muito bem respaldada.
Há também, disponível na internet, uma consolidação do Plano de Mobilidade de Aracaju, uma adaptação do modelo existente e elaborado pelo Instituto de Mobilidade Sustentável RUA VIVA, sob a coordenação da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito – SMTT, aquela conhecida por “aplicar multas”, que prevê as diretrizes gerais de mobilidade, com planos de intervenção definidos para o horizonte de 2022 e 2032. Até o momento, vivemos em um caos urbano.
A cidade de Aracaju é a capital com o Plano Diretor mais atrasado do país, segundo o Observatório das Metrópoles, o que já demonstra as violações legais perpetradas pelos gestores públicos. Essa lei (Plano Diretor) é essencial para as cidades, pois é através dela que são estabelecidos os parâmetros para o crescimento urbano e a determinação do tipo de cidade que queremos. “Isso é uma vergonha”, frase dita e repetida por Boris Casoy.
Muito a ser discutido e efetivado em Aracaju, pois é necessário que os cidadãos possam transitar com segurança, a pé ou de bicicleta, bem como sentir a presença de infraestruturas como as faixas de pedestres, calçadas transitáveis e as destináveis, especificamente, às bicicletas (ciclorotas, ciclofaixas e ciclovias) que possibilitem o acesso e uso a esse direito tão violado.
Priorizar o uso da bicicleta, requer que a rede cicloviária seja segura e completa, arborizadas e conectadas, com estacionamento e guarda desse meio de transporte.
Oferecer um sistema de transporte público que seja rápido, frequente e confiável não é uma liberalidade do gestor, constitui um direito do cidadão e sua violação, crime.
Aracaju precisa fornecer um transporte público com integração efetiva, seja ela, física, tarifária ou operacional com coordenação de horários. Analisar o sistema de transporte urbano de uma cidade como Aracaju, pequena em comparação com outros municípios brasileiros, envolve questões como eletrificação de ônibus, gestão de estacionamentos, qualidade e manutenção das ciclovias. Requer, principalmente, colocar o cidadão (habitantes das cidades) como o principal beneficiário de uma cidade sustentável. N caso de Aracaju, pensar em ciclovias arborizadas e iluminadas, em hidrovias, e calçadas que possibilitem melhor qualidade de vida.
Circular, de bicicleta, pelos bairros Bugio ou Almirante Tamandaré em direção ao centro da cidade, pelas avenidas Matadouro ou Santa Gleide, passando pela avenida Maranhão é uma atitude que envolve riscos de morte a todo instante. O mesmo acontece para quem desejar transitar pelas avenidas José Carlos Silva, Adélia Franco, Hermes Fontes, Des. Maynard, Melício Machado e tantas outras.
Aracaju é uma cidade plana, pequena, com espaços disponíveis para zonas integrativas de mobilidade e que deve pensar e agir com seriedade para se tornar uma cidade sustentável, de fato.
*Doutor em Saúde e Ambiente