Carlos Morais Vila-Nova*
O poema “José” foi feito há muitos anos pelo escritor Carlos Drummond de Andrade, que continua vivo por seus escritos e lembrado como um dos melhores poetas brasileiros. A obra citada apresenta conteúdo instigante e reflexivo, não fugindo dos atributos da poesia, quando escrita; quase sempre inconclusiva e aberta para as mais diversas correntes de pensamento.
O poema foi publicado em 1942, período em que ocorria a segunda guerra mundial e as suas repercussões no mundo. À época também, o Brasil vivia o período ditatorial do presidente Vargas. Assim, nesse ambiente temporal foram feitos os escritos sobre José, que estava num contexto hostil, pois era um personagem sem mulher e sem carinho; não podia beber, nem fumar e nem cuspir; e, nessa desventura estava ele numa noite que só esfriava, sem o dia chegar. Afinal, o riso e a utopia não vinham e tudo tinha acabado para um José sem saída.
Sobre o nome do personagem, pelo que se sabe com base em publicações, a inspiração de Drummond, originalmente, pode ter sido fruto do seu irmão mais velho, de prenome José, que lhe escrevia com certa frequência, expressando em suas cartas o amargor com a vida e a falta de crença, possivelmente relacionada à ausência de teogonia, citada no final do poema.
Passados muitos anos, o interessante é que o “e agora José” de Drummond continua sendo citado oralmente ou registrado em textos no transcurso do tempo, normalmente fazendo referências às dificuldades vivenciadas pelo próprio ente, terceiros ou por grupos sociais, que são inviabilizados nas variáveis históricas ou por medidas pouco equânimes adotadas.
Desse modo e com mais relevância, é razoável dizer do passado, que no ano de 1972, não foi por acaso a versão do poema em música pelo cantor Paulo Diniz, cujo sucesso foi grande no período da efervescente ditadura militar. Nessa mesma linha e mais recentemente foram as reproduções feitas do poema durante a pandemia, causados pelos acentuados temores e incertezas humanas.
Assim, por dedução, um dos pontos cruciais para o reverbero desse poema até nos tempos atuais têm a ver com a retratação daquelas famosas e dolorosas circunstancias ditas do personagem José, como referenciais às dificuldades enfrentadas na contemporaneidade.
Atualmente, não se trata mais do tempo da guerra ou da ditadura de Vargas em que José vivia, mas existem tensões inquietantes, a exemplo da absurda tarifação do presidente Donald Trump ao comércio internacional brasileiro..
Sem dúvidas, uma situação de alerta, que poderá gerar queda na economia, provocando quebra de empresas e desempregos; e, os josés de hoje, sem portas para abrir, como na poesia.
No entanto, diante das dificuldades, os bons exemplos são preciosos, desde que vindos dos que avançaram e venceram com muita fé e maestria. Nessa senda, a experiência dos anos permite contar boas histórias, graças a Deus! E não são as complicações dos processos judiciais que fazem pugnar por tal assertiva; mas, pelas passagens no tempo, que conduzem ao processo de aprendizagem da vida, cujos períodos em que mais se aprende são nos tempos de “José”, disfarçados de intransponíveis, ou seja, naqueles em que inexiste noção humana de como resolver o (s) problema (s), que às vezes se enfileiram.
Enfim, parece mesmo um treinamento à base de paciência mesclada com resiliência, principalmente para os que sabem esperar um possível bom resultado e/ou os que seguem o dito popular de que tudo na vida tem jeito, exceto nos casos dos desígnios de Deus.
Resultados estes, que muitas vezes chegam por osmose, numa visão exclusivamente materialista. Contudo, o José de Drummond, à época, pode ter chegado ao extremo; quem sabe? Pode ter perdido a esperança, calejado pela falta de oportunidades em longo tempo de míngua, que o sistema não minorou; deixando-o sofrer até o final, embora ele tenha lutado e esperado.
A bem da verdade, com base nos dados históricos, muito mais podia ter sido feito por José e por muitos outros mais dignos, que não bebiam e nem fumavam; mediante uma distribuição de renda menos injusta e pela garantia prioritária dos direitos fundamentais, de alimentação, saúde, educação, trabalho, moradia, transporte, segurança, previdência social, proteção à maternidade, infância e aos desamparados; ou seja, direitos estes necessários para o mínimo existencial, que estão elencados no artigo 6º da Constituição Federal.
Em suma, uma dívida social que existe há muitas décadas e séculos, cujo avanço gradativo carece de mais intensidade para harmonia e pacificação das classes, diante da aceitável desigualdade econômica do sistema capitalista, dotado de empregadores e de empregados.
Então, a existência de um cenário econômico favorável para quem está na ponta, movendo a economia, é de fundamental importância. Por conseguinte, caso sejam lembrados os “josés” de hoje e os de longas datas, vultosos feitos são aqueles que suplantam os egos e os que pelo poder de decisão, por muitos, minimizam os males da desigualdade social, por ser ela o grande fator impeditivo do progresso humano em ter relações mais harmoniosas e menos hostis.
* Carlos Morais Vila-Nova é advogado de Estância e bancário aposentado