Adelmo Pelágio*
No dia 1º de dezembro de 2024, domingo, uma notícia inverdadeira e maliciosa multiplicou-se na internet, não apenas em redes sociais, mas nos mais prestigiosos sítios virtuais jornalísticos: o governador de Sergipe teria sido flagrado, sob licença médica, assistindo à final da Libertadores. Mesmo depois de o governador pronunciar-se claramente sobre não se tratar de licença médica, mas sim de licença adequada concedida pela Assembleia Legislativa, não se verificou uma mobilização reversa dos noticiantes por uma justa retratação. Além de ser uma evidência de imperfeição, reconhecer o erro é expedir uma contranotícia frustrante para aqueles que tanto se regozijam com a execração alheia.
Seja feita a ressalva de que, pelo menos, em Sergipe, a mídia se empenhou pela neutralização do mal injusto gerado, proporcionando a divulgação da realidade do fato.
Mas muitos inconformados com a licitude da conduta do governador prosseguem, uns, insistindo na dispersão da desinformação, outros, dizendo que, independentemente da natureza ou da legalidade da licença, deveria o governador estar trabalhando, e não ausente por um motivo “menor”.
Sobre a insistência na inverdade, não há nada a ser dito senão que se trata de pura violência moral.
No entanto, a respeito da desqualificação do motivo para afastamento, vale a pena discorrer.
Preliminarmente, fazer-se presente à final da Libertadores para torcer por seu clube do coração não é um motivo menor. Somos brasileiros, integrantes de um caldeirão cultural no qual o futebol assoma como um dos ingredientes mais importantes. A solidez de nossa brasilidade era muito maior quando empunhávamos convictos nossa antonomásia coletiva mais expressiva: “o país do futebol”. Nenhuma ficção artística ou política, na história de nosso país, venceu em engajamento social e intensidade emocional certas decisões de copa do mundo; de forma que o período compreendido entre a tragédia de 1950 e a glória de 1970 constitui a saga alegórica e virtuosa de um povo em busca de sua autoestima.
Mas a grandiosidade do futebol não é monopólio brasileiro. A FIFA é seguramente a associação privada que mais representantes de nações congrega no planeta, tendo número de filiados superior ao da ONU, por não estar a FIFA adstrita a critérios de soberania. Também não há notícia de outra instituição privada com maior capacidade de intervenção na estrutura pública de um país, haja vista as exigências de produção legislativa feitas pela FIFA como condicionantes para sediar-se uma Copa do Mundo.
Mas não se esgota o futebol na expressão macrossistêmica de nossa cultura, vindo ele inserir-se em nosso arcabouço cognitivo, para servir de matéria-prima para metáforas que estruturam nossa forma de pensamento e comunicação. E não é por outra razão que quando quase conquistamos algo pelo qual muito lutamos: “bateu na trave”; quando estamos ansiosos por executar algo com autoconfiança: “estou na área”; quando fazemos algo de que nos orgulhamos: “que golaço”. E o que dizer da poesia de João Bosco: “a alegria de quem está apaixonado é como a falsa euforia de um gol anulado”.
E para que a vida não se perca de seu necessário pragmatismo sobrevivencial, futebol é um estratégico setor de nossa economia, demandando recursos materiais, tecnológicos, intelectuais e normativos cada vez mais sofisticados, que pode avançar sempre como alavanca para a inclusão social, oferecendo às crianças, adolescentes e jovens brasileiros uma expectativa virtuosa de vida.
Resta, pois, absolutamente incompatível com a grandiosidade e importância do fenômeno intersubjetivo futebol o qualificativo “menor”, não podendo nenhum governo de nenhuma esfera de nossa federação perder de vista esse estratégico elemento, não apenas esportivo, mas também econômico, social e cultural.
Assim sendo, percebe-se que o governador se licenciou para ir em busca de uma das mais poderosas vivências emocionais que um homem mergulhado na cultura brasileira pode experimentar, se licenciou para ir em busca de sua subjetividade, para ser feliz. E essa brasilidade e felicidade são fundamentais para que um governante se mantenha empático, sensível e sintonizado com o povo que ele representa e governa, imunizando-se do risco de pensar o governo como uma esfera alienada e produtora de frias e falaciosas soluções tecnocráticas.
O governante que busca a felicidade por meios que se identificam com os de seu povo tem mais chances de lhe proporcionar felicidade.
*Adelmo Pelágio é Delegado de Polícia de Sergipe