Aracaju, 27 de abril de 2024
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” A violência é algo muito presente na vida de qualquer menina mesmo que seja criada dentro de um condomínio com carro blindado”

astrid

” A violência é algo muito presente na vida de qualquer menina mesmo que seja criada dentro de um condomínio com carro blindado. Eu não tive uma infância assim, era mais exposta. Meu primeiro susto foi aos 13 anos dentro de um ônibus. Estudava na Tijuca e morava no Meier. Todos os dias pegava o mesmo ônibus saindo da escola. Um dia, enquanto eu estava sentada, um homem colocou o pinto enorme para fora e eu saí correndo de dentro do ônibus, desci até em outro ponto. Um horror! E nunca contei para minha mãe.

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O segundo foi aos 15 e eu já morava na Tijuca. Estudava num colégio de freiras e sempre ficava um grupinho de meninos, que não era na mesma escola, mas se reunia na casa de sucos da esquina com a gente. Dentro desse grupo, tinha um cara que se destaca, ele era todo bonitão. E um dia me chamou para ir à casa dele. Fui porque ele era gato e eu queria namorá-lo, mas não queria transar com ele. Eu era virgem na época. Nunca mais vou esquecer. Ele morava no primeiro andar. Quando cheguei, esse garoto que era mais velho e mais forte, começou a me pegar por trás, a me forçar. Me lembro de falar: “Eu não quero, eu sou virgem.” Comecei a gritar, consegui me libertar dele e fugi.

Quando passei pela portaria, o faxineiro e o porteiro do prédio estavam rindo. Hoje o que concluo é que era algo que devia ser comum ali. Anos depois eu o reencontrei numa festa na casa de uma amiga em comum e uma hora ele me pegou pelo braço. E eu disse: hoje vai ser diferente. Na melhor das hipóteses eu te levo pra delegacia e ferro com a sua vida. Aí ele me soltou.

O terceiro caso é mais triste porque era um namorado da minha mãe, quando eu também tinha uns 15 anos. Ela foi trabalhar em São Paulo e eu fiquei no Rio morando com ele. Era um cara adorável, gente boa. De repente um dia eu acordo com ele me bulinando. Fiquei paralisada como eu tivesse tomado um choque. Aí me mexi e ele saiu do quarto. Passei a viver em pânico com ele. A minha mãe só voltava de final de semana. O meu maior medo foi o de destruir o sonho dela. Imagina eu contar! Ela adorava esse cara. Depois disso, às vezes ele entrava no quarto e eu já falava: “O que foi? perdeu alguma coisa aqui?” ou às vezes eu estava dormindo, ele encostava em mim, eu já acordava e ele falava que tinha vindo me cobrir. Comecei a trancar o quarto. A minha mãe me dava bronca por eu trancar a porta e eu não dizia a verdade, passei a mentir. Você acha realmente que o teu corpo é o pecado, que você é o pecado. Me sentia muito culpada por ser adolescente, ter peitinho e ser desejada por quem não deveria. Ela morreu sem saber da verdade.

Logo depois disso mudei com ela para São Paulo e foi como se eu tivesse recomeçado minha vida. Essa mudança foi um pouco por causa do Chico Xavier. Um dia minha mãe foi de acompanhante de uma amiga, somente levá-la para uma consulta com ele, mas ele quis falar primeiro com minha mãe e ela, sem entender, ouviu dele: “lugar de filha é ao lado da mãe”. Um tempo depois mudamos de Estado.

Com a graça de Deus não tive problema com relacionamentos por causa disso. Sou muito resiliente. Consigo dar a volta por cima. Só me fez ver exatamente que os homens são muito diferentes. Não são românticos, respeitosos como imaginava. Hoje sou casada [com Fausto Franco, há 8 anos], tenho um filho, o Gabriel, de 7 anos, que já é muito bem educado para cuidar das meninas.”

Você já sofreu violência sexual? A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Acontece com celebridades e anônimas, em todas as classes sociais, em casa, na rua, numa festa e até no trabalho. Há casos em que a vítima está consciente, outros em que não. Para chamar a atenção para essa dolorosa –  e tão frequente realidade – publicaremos um relato de estupro por dia.

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