Aracaju, 7 de maio de 2024
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“O artista é alguém atento aos sinais do mundo”, diz Maria Casadevall. Atriz fala sobre emancipação feminina, política e vida em São Paulo

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No ar com E os Dias Eram Assim e Vade Retro, atrações da nova faixa de séries da TV Globo, podemos dizer que Maria Casadevall está num período da trajetória de artista onde a relevância artística é mais importante que a exposição. E por escolha própria.

“Nunca encarei como um estágio a ser alcançado, mas como um norte a ser perseguido”, ela nos explica, com naturalidade, sobre a possibilidade de escolher os melhores trabalhos, sem negar que está vivendo um momento especial como atriz.

Em papo com a GQ Brasil, a atriz falou sobre temas diversos: carreira, São Paulo, feminismo, política e até a vontade de ser diretora. Vale a pena ler o que diz Casadevall, uma mulher esclarecida e cada vez mais dona da própria carreira.

Você está no ar com Vade Retro e E Os Dias Eram Assim, duas produções elogiadas pelo zelo artístico, e ainda está prestes a estrelar nos cinemas uma obra de Luis Pinheiro, seu parceiro em Lili, a Ex. Você já chegou num estágio da carreira em que consegue escolher os projetos mais interessantes para atuar?

Na verdade, nunca encarei esse lugar como um estágio a ser alcançado, mas como um norte a ser perseguido. É claro que esse privilégio passa a estar mais presente a medida em que tenho meu trabalho reconhecido e, por consequência, um maior número de oportunidades. Porém, meus critérios, como a importância da obra a longo prazo, sempre foram prioridades nas minhas escolhas como atriz.

Você atuou e foi produtora executiva de “A ordem do caos…ou”, exibido em Cannes. Além de atriz e produtora, você também se vê trabalhando como diretora no futuro? Quais cineastas te atraem no cinema nacional e internacional?

Certamente. Em minha trajetória, espero poder explorar todos os meios que estiverem ao meu alcance e fazer um esforço além do possível para os que não estiverem (risos). Quero fazer mais teatro como atriz, especialmente montagens que envolvam trabalhos de pesquisa em grupo. Já o cinema me interessa muito estar como atriz e também tenho a ideia de dirigir um dia. Tenho uma visão bastante ampla do conceito de artista e acredito que essa seja a definição de um ser humano que não se deixou embrutecer com o tempo, alguém atento aos sinais do mundo, capaz de extrair das situações ordinárias a essência extraordinária que habita o cotidiano mais comum, com capacidade para transfigurar a realidade, um inconformado que tem a necessidade de transcender independente do meio que vá escolher para isso…

Em Mulheres Alteradas (cuja estreia está prevista para o ano que vem), a sua personagem, Leandra, se sente insegura por não ter constituído família. Como você vê essa relação da juventude atual com o casamento? Você acha que a pressão para casar e ter filhos ainda é forte, principalmente com as mulheres?

A luta das mulheres por emancipação em diferentes frentes da sociedade vêm desmistificando essa “obrigação natural” da mulher de ter filhos. Mas a cobrança ainda está presente, sim. Em maior ou menor grau, ela está em cada uma de nós, com o fator biológico atrelado à vida fértil da mulher, sendo mais uma questão para a autocobrança psicológica. Porém, acredito que esse processo de desconstrução, conquistado através de muita luta, tem dado a nós, mulheres, a chance da escolha. Sem descartar a de constituir uma família com filhos, claro, mas deixando de apresentá-la como única via possível para uma vida completa e feliz.

Recentemente, você participou de vídeos com teor político, inclusive em defesa do ex-presidente Lula. Para você, o quão importante é uma artista como você se posicionar politicamente? 

A importância é fruto da visibilidade, mas ela não pode pautar as minha atitudes e opiniões, apenas reverberá-las. Enquanto artista, estou em permanente diálogo com o mundo que me cerca, a sociedade em que vivo e seus desdobramentos políticos, sendo assim, em um momento como esse, de instabilidade política, que estamos vivendo, é inevitável que todas as minhas manifestações reflitam minha percepção e opinião sobre os fatos. Mas é importante lembrar que essa é a minha maneira de lidar com a situação, enquanto artista e enquanto cidadã. Cada um deve se manifestar, se quiser, de acordo com suas próprias urgências e não de acordo com o papel que desempenha dentro da sociedade, seja você uma pessoa pública ou não.

Você também faz coro com a proposta de “Diretas Já”?

Sim. Hoje, acredito que o único caminho para reconquistarmos nosso compromisso com a democracia e o respeito ao voto popular seja por meio de uma emenda constitucional (aprovada pelo Congresso) que nos dê a chance para novas eleições diretas.

Maria Casadevall (Foto: Rogério Mesquita)

Você se considera uma pessoa de esquerda? Em tempos de tanta intolerância em ambientes públicos e nas redes sociais, posicionar-se politicamente já te causou algum problema?

Acredito que um estado fortalecido tenha mais condições de garantir e promover o bem-estar social do que um mercado tecnocrata globalizado. Além disso, acredito que cidadãos mais comprometidos com o coletivo, com a sustentabilidade local e global, menos competitivos e individualizados podem reconstruir um país e um mundo melhor.

Recentemente, atrizes da TV Globo criaram o movimento “Mexeu com uma, mexeu com todas”, após a repercussão do caso de assédio envolvendo o ator José Mayer. Como o machismo se manifesta na sua profissão?

O machismo está presente em todas as nossas relações sociais de forma mais ou menos explícita.

Você já disse em algumas entrevistas que gosta de viver em São Paulo. Como é a sua rotina pela cidade?

São Paulo é meu ninho. Mas há muito tempo não tenho uma rotina diária. Quando estou em SP, gosto de caminhar longas distâncias ouvindo música, ir ao cinema numa tarde de semana e depois encontrar um amigo em algum café, ou sentar sozinha para trabalhar, ler e olhar as pessoas. As vezes também saio de bicicleta pelo bairro ou com a minha gata no colo e um violão nas costas. A beleza de São Paulo não é óbvia. É plural.

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