Em 1994, ele tinha apenas 9 anos e era um garotinho adorado por todos os telespectadores de A Viagem. Daniel Ávila até hoje é reconhecido nas ruas pelo carismático Dudu, filho do poderoso Otávio Jordão(Antonio Fagundes) na trama espírita de sucesso.
26 anos depois, ele seguiu o caminho de artista de rua e comemora não somente a volta da novela, que será reprisada pelo Viva em dezembro, mas as coincidências da vida. Sua filha, Flor, tem a idade do personagem e, por destino, sua vida está indo de encontro a ficção:
“É bem engraçado porque a Flor, com 9 anos, é bem parecida com o Dudu. Agora as pessoas me reconhecem ainda mais como ele. As pessoas olham para ela, olham para mim e sacam mais que antes.”
Mesmo tendo atuado em várias novelas na TV Globo, Daniel tem um carinho especial pelo menino:
“O Dudu é unânime, uma figura e muito espontâneo. Sempre me reconhecem na rua, fico impressionado. Estou bem animado com a reprise. Está sendo bem importante no período de quarentena que não podemos fazer arte, ter essas coisas guardadas e poder mostrar trabalhos interessantes para o público com intuito de informar, divertir e apaziguar.”
A certeza de que queria seguir a atuação, veio após o menino da década de 90.
“Acho que nessa novela comecei a ganhar uma consciência do que é ser ator, do que queria da minha vida. Mas tinha 9 anos, né? Que consciência era essa? É um personagem disponível, com muita luz e demorei para voltar a ser melhor que ele. Você cresce, aprende outras coisas, aquela coisa do Dudu é interessante. Acho ele quase uma entidade solta, um personagem que virou alguém.”, explica.
Infância simples
Ter começado a trabalhar cedo não atrapalhou sua infância, mas Daniel, que foi criado em Olaria, subúrbio do Rio de Janeiro, lembra que desde jovem teve que lidar com preconceitos e diferenças sociais:
“Tive uma infância legal, minha vida é legal. Eu morava em Olaria e trabalhava na Globo com TV, era um pouco complicado, os amigos da onde eu morava implicavam muito, por eu ser do subúrbio e começar a frequentar lugares mais abastados. Talvez o artista não sinta isso na pele, não me doeu como pessoa, mas me fez ver a realidade das coisas. Morava em um lugar bem humilde, abandonado pelo poder público, mas frequentava a alta sociedade. Isso me pegou muito até hoje.”
Amor pela arte
A paixão pela profissão fala mais alto sempre e arrependimentos não fazem parte da vida do ator:
“Até hoje eu tenho certeza absoluta que só fiz o que queria. Por mais que eu tenha me equivocado, sempre vivi a partir do meu prazer, minha vontade. Segui meu caminho, me orgulho. Tive filha, me formei, viajei pra fora, sou muito agradecido na minha vida, mas olha, estou longe de fazer tudo oque eu queria fazer.”
Daniel levanta as dores e delícias de ser ator de rua, mas se orgulha de tudo que aprendeu no percurso:
“Trabalho na rua com arte pública, no front mesmo. Faço dublagem e amo, estou longe do lugar glamour, mas sim no ator, forte de batalha, frente de discurso. Acho maravilhoso esse lugar que escolhi. Saber o que eu sei, não largo jamais! Posso não estar com muitas coisas do lado de fora, mas nessa vida, fui atrás do que tenho dentro. Sou ator formado, vivido, evoluído, experimentado, está tudo dentro de mim e estou muito satisfeito, não mudaria nada.”
Sob a direção de Amir Haddad, o “Tá na Rua” e o “Cabaret Tá Na Rua” levam aos locais públicos espetáculos incríveis desde 1980. O ator explica como foi parar nesses projetos, qual seu propósito e se coloca disponível para qualquer trabalho:
“Fiz muita novela, estudei cinema e me formei em Cuba, conheci o Amir e a arte pública me pegou. Estava meio perdido como artista, precisava entender o que eu estava fazendo mais. Encontrei o Amir, foi uma paixão doida pela linguagem e processo. Estou há 13 anos nesse grupo, me encantando mais. Tenho filmes para estrear, dirijo ator, atuo, tenho muitos projetos de teatro, turnês.”
“Sinto saudades das coisas da TV, claro, mas estou pronto para o abate e sou mais bem vivido e orientado que antes. Sou bem disponível para quem já me viu em palco, ou na TV, gordinho, magrinho, cabeludinho, vou estar sempre trabalhando para o meu público.”
Flor de menina
Daniel tem uma filha de 9 anos, do antigo relacionamento com a atriz Karla Tenório, e fala da alegria de ser pai de menina: “Flor é muito minha parceira. Não sei se caso de novo, se tenho filhos, acho que não. Mas esse relacionamento de pai, essa união que a gente tem… fazemos várias coisas juntos, ser pai de uma menina me dá muita emoção, ela é um encanto, minha vidinha.”
Durante o isolamento social, Flor ficou com o pai e eles partiram para uma quarentena mais tranquila:
“Levei para roça, eu e ela explorando cachoeiras, só mato, vários assuntos. Sou muito livre, trabalho com criança e muito com essa desconstrução de encarar a realidade, tirar as máscaras. Tenho um relacionamento muito interessante com a minha filha, a gente dialoga, ela não tem medida comigo, fica muito livre. É um desafio, mas acho que estou indo bem.”
Realização
Incansável, Daniel tem ainda muitas coisas para fazer e luta para não perder o fôlego:
“Não vou ficar realizado nessa profissão, acho que nunca. Quero trabalhar a vida inteira com meu ofício, fazer tudo que eu puder, trabalhar com todas as pessoas, ferramentas, plataformas, línguas. Meu artista (Amir) nunca me desguarda e está sempre me fazendo ser um homem melhor, um ser humano mais atento e presente.”
O céu é o limite, mas por enquanto, Daniel prefere manter os pés no chão:
“Já quis morar fora do país, trabalhar com Almodóvar, tanto que falo espanhol. Mas vou reduzir meus sonhos agora. Estou querendo que as coisas fiquem mais leves. Meu maior sonho é que a gente possa sair desses escombros, se abrir novamente, colocar as fantasias, ligar o som e sair para fazer teatro.”
Durante uma pausa em seu discurso de amor, ele aproveita para desabafar sobre as dificuldades da profissão:
“Sou artista há muitos anos e é um desafio absurdo ser ator nesse país, absoluto, consome nossa vida inteira. Desejo que eu possa fazer minha arte com mais facilidade, sem tanto cansaço. Às vezes fico com medo de não ter energia para fazer o que eu faço, encarar o front de batalha na rua, essa vida sem grana, essas perdas. O Amir me falou que sou bom disso e ser artista no final das contas é saber perder.”
Fonte/Foto: globo.com