Aracaju, 28 de março de 2024

Gagueira não é brincadeira, destaca fonoaudióloga

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Quem convive com a gagueira está sempre convivendo também com a falta de compreensão da sociedade quanto ao problema. Entre preconceito e brincadeiras, as pessoas enfrentam as dificuldades de não conseguir se expressar como é exigido.

O dia 22 de outubro é o Dia Internacional de Atenção à Gagueira (DIAG). O servidor da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese) Laertte Tavares de Almeida, contou que já teve problemas até mesmo para encontrar uma vaga de emprego.

“Uma das maiores dificuldades que enfrentei antes de assumir um cargo público era a de demonstrar quem eu era através da fala em seleções de emprego. Vivemos no mundo em que uma boa comunicação é fundamental, e você não conseguir ser fluente acaba dificultando o processo de você ser compreendido por quem te avalia. Já aconteceu de nem ter direito a finalizar uma entrevista de emprego. Ser finalizada no meio mesmo”, falou.

Além disso, ele lembrou que a gagueira é utilizada como piada em muitos lugares. Laertte lembrou que o assunto aparece na mídia apenas quando a cena é cômica nas novelas, teatro e cinema.

“No dia a dia em sociedade, a gente sempre percebe o “ar de riso” e pouco respeito a condição da pessoa com gagueira. São bem pontuais os momentos de seriedade sobre o tema. A pessoa com gagueira às vezes até entra na “brincadeira” como forma de defesa”, acrescentou.

Ele disse que após os 13 anos de idade, não há mais a possibilidade de cura, mas somente de um controle maior sobre a condição. “E nesse período até os 13 anos, tratei-me com fonoaudiólogos que não eram especialistas em gagueira, o que faz total diferença na abordagem do problema”.

A coordenadora do Comitê de Fluência do Departamento de Linguagem da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa) e diretora educacional assistente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF)., Débora Vasconcelos Correia, explicou que as reações da sociedade diante de uma gagueira se transformam em complicação no tratamento. Elas dificultam a melhoria durante o tratamento e também nas relações interpessoais.

A fonoaudióloga afirmou que a melhor solução para combater o preconceito em relação às pessoas que gaguejam é levar conhecimento cientificamente atualizado para toda a sociedade. Por isso e para isso existe o DIAG, para que a população tenha acesso a esse conhecimento, se conscientize a respeito e, a partir de então, mude a sua postura frente a quem gagueja.

“Gagueira não é emocional, e quem gagueja não gagueja porque quer gaguejar, na verdade, ela ocorre de forma involuntária e assumir uma postura empática e não preconceituosa para com quem gagueja faz toda a diferença. Inclusive, “empatia” é o tema da Campanha de Atenção à Gagueira deste ano. O lema é convidar todas as pessoas para trocar a apatia pela empatia por quem gagueja, ou seja, é um desafio para deixarmos de lado a indiferença e desenvolvermos atitudes altruístas e cooperarmos com dias melhores para todas as pessoas que gaguejam”, declarou.

Ela explicou que quando a intervenção terapêutica é realizada precocemente e da forma adequada, a literatura aponta que para uma criança com dois anos e meio há uma chance de 80% de remissão total da gagueira, e a partir dos seus sete anos de idade essa chance já tende a zero. O que significa dizer que as maiores chances de remissão total da gagueira estão relacionadas diretamente com a intervenção precoce e especializada em Fluência.

“É muito importante para quem gagueja buscar por um profissional especialista em Fluência. E muito importante também é não ache que a gagueira pode ser uma fase do desenvolvimento que é necessário aguardar passar, não espere para agir e buscar ajuda especializada, quanto mais se atrasa essa intervenção precoce mais se aumenta as chances de persistência do distúrbio e dessa criança se tornar um adulto que gagueja. A orientação fonoaudiológica adequada e cientificamente atualizada pode transformar a história desenvolvimental de alguém”, falou Débora.

O tratamento é fonoaudiológico, e a recomendação é para que ele seja centrado na pessoa que gagueja, ou seja, para que ele considere as suas necessidades clínicas, funcionais e campos de interesses de modo singular. Ela disse que o mais importante é que não há uma “receita” a seguir que se aplique com eficácia para todas as pessoas que gaguejam de igual modo, mas há a importância de uma boa e eficiente avaliação fonoaudiológica para que a partir da obtenção dos dados avaliativos se dê início ao processo de construção de um raciocínio clínico integrado e funcional.

“Trabalhamos com estratégias terapêuticas das mais diversas, contudo, as principais são as de modelagem da fluência e de modificação da gagueira. O mais importante é que a terapia fonoaudiológica auxilie quem gagueja a transportar o uso das estratégias indutoras de fluência para as mais diversas situações do seu dia a dia”, acrescentou.

Ela falou que em casa pode ser feito um trabalho a mais para melhorar a condição. A principal recomendação para se fazer em casa é: fale abertamente sobre a sua gagueira, procure conversar com os seus familiares sobre como você se sente enquanto gagueja, o que eles fazem que te ajudam e não te ajudam a se comunicar de forma mais fluente, transforme o assunto gagueira em algo natural e não em um tabu.

“Em casa, para quem gagueja que está em acompanhamento fonoaudiológico, também é um ambiente muito bom e produtivo para exercitar o que se aprendeu em terapia, justamente por ter pessoas que são próximas e podem se tornar parceiras e apoiadoras nesse processo. Para os pais de crianças que gaguejam eu recomendo que promovam momentos agradáveis de brincadeiras com muitas oportunidades de fala e de interação, priorize esses momentos, não supervalorize a gagueira da sua criança chamando a atenção dela o tempo todo, mas também não a ignore, fazendo de conta que ela não existe e que o seu filho não está sentindo dificuldades em se expressar por apresentá-la, busque o equilíbrio”, disse.

Ela falou que ainda não é sabido o que causa a gagueira, mas muito se fala sobre herança genética, ou seja, que as pessoas herdam a condição de seus pais, além de ter indução da convivência com outras pessoas. O problema é iniciado ainda na infância, quando se dá o período do neurodesenvolvimento.

“Atualmente, há muitas teorias causais sobre a gagueira e as mais aceitas têm sido aquelas que atribuem o seu surgimento a uma complexa interação entre múltiplos fatores que envolvem aspectos neurodesenvolvimentais, genéticos e psicossociais”, falou a fonoaudióloga.

Débora Vasconcelos Correia é fonoaudióloga, mestre e doutora em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com trabalho de pesquisa direcionado ao processamento linguístico das pessoas que gaguejam. Especialista em Fluência pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia e em Neurociência Aplicada pela Universidade Federal de Pernambuco e professora do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB.

Foto: Freepik

Por Wênia Bandeira

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