Aracaju, 6 de maio de 2024
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Falta de fraldários em banheiros masculinos levanta discussão

PAIS

RIO – Quando sai sozinho com filho, de 1 ano e nove meses, o fotógrafo Rafael Wallace sabe que vai ter que improvisar. Ele já trocou o bebê em bancos de praça, assentos de estádio de futebol, em mesa de boteco, em cima de capô de carro e até de pé. Da última vez em que não encontrou fraldário à disposição, ouviu do gerente de um restaurante na Urca: “Cadê a mãe dele?”. Rafael tentava trocar a fralda do filho sobre a pia do banheiro masculino porque o único fraldário do estabelecimento ficava dentro do feminino, como informou ontem a Coluna Gente Boa. Depois de minutos de discussão, ele foi autorizado a entrar no banheiro das mulheres, vazio, com escolta de funcionários na porta.

— Vi algumas pessoas depois comentando que essa discussão é uma bobagem. Mas as coisas só mudam se nos propusermos a debater e resolver essas questões, mesmo que elas pareçam menores — comenta ele. — Eu tenho jogo de cintura para trocar meu filho em quase todo lugar, mas em restaurante é difícil, não posso incomodar quem come ao meu lado.

Procurado, o restaurante informou em nota que prepara a colocação de um fraldário no banheiro masculino: “O episódio ocorreu na contramão da iniciativa do Terra Brasilis, em vias de execução, de instalar um fraldário também no banheiro masculino, o que certamente irá trazer mais conforto para pais e bebês. A casa reitera seu pedido de desculpas pelo lamentável incidente”.

Dificuldades assim são recorrentes. O professor universitário Rafael Cadena, pai de uma menina de 2 anos e de um menino de nove meses, relata que, certa vez, ao solicitar a um garçom um lugar para trocar os filhos, ouviu como resposta que quem deveria fazer isso era a mulher dele, e, claro, no banheiro feminino.

— Nunca, na vida, vi um trocador em um banheiro masculino. O que muitas pessoas fazem é recorrer ao banheiro para deficientes, que em geral não tem diferenciação de gênero — conta.

 

Autor do livro “O papai é pop”, Marcos Piangers destaca que, mesmo nos “banheiros família” — hoje presentes nos grandes shoppings —, a imagem estampada na porta é sempre a de uma figura feminina trocando fraldas.

— Isso é mais um sinal de que ainda temos um longo caminho a percorrer — aponta. — Até hoje, quando tenho que levar minha filha mais nova ao banheiro, é complicado, porque não deixam que ela entre no banheiro masculino e eu não posso entrar no banheiro feminino.

EM DESCOMPASSO COM MUDANÇA DE COSTUMES

Segundo a socióloga Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva do centro de estudos feministas Cepia, a ausência de fraldários em banheiros masculinos mostra um descompasso entre a infraestrutura das cidades e a mudança de costumes pela qual passa a sociedade.

— A cada novo dia temos mais homens cuidando de seus filhos. É uma mudança ainda tímida, mas real. No entanto, restaurantes, museus, espaços voltados para o público não acompanharam isso. A maioria esmagadora ainda se baseia num modelo do passado, em que tudo o que tinha a ver com a criança era relacionado à mulher.

Se, três décadas atrás, uma das importantes lutas feministas era a criação da licença-paternidade — estabelecida em 1988 —, hoje a socióloga avalia que a adequação dos banheiros de espaços públicos deva ser uma prioridade.

— Grande parte das pessoas não entende a importância disso porque ainda sofremos com o peso de uma sociedade machista. Enquanto as mulheres foram para a rua, a maioria dos homens não foi para dentro de casa. Tanto no simbólico quanto no concreto — interpreta ela.

De acordo com o advogado Lucas Mayall, existem dois projetos de lei federais, ambos propostos em 2015, que preveem a obrigatoriedade de fraldários em banheiros masculinos de espaços públicos. Eles foram aprovados no segundo semestre do ano passado na Comissão de Desenvolvimento Urbano e ainda precisam passar por outras duas comissões para entrarem em vigor.

 

Existem também projetos de lei municipais e estaduais sobre o tema. No Rio, há dois, um em cada esfera. Mas o projeto mais adiantado é o da cidade de São Paulo, aprovado em uma primeira votação na Câmara Municipal em 7 de junho. Ele ainda precisa passar por segunda votação na Câmara e, só então, seguir para a sanção do prefeito, João Dória (PSDB). O autor do projeto é o vereador Toninho Vespoli (Psol). Segundo sua assessoria, “discutir a questão do fraldário é enfrentar o machismo e a segregação”.

Segundo Lucas Mayall, embora leis municipais e estaduais sejam interessantes, é importante que a questão seja tratada em âmbito federal.

— O ideal é que haja, eventualmente, uma lei federal, porque se trata de um direito civil. Isso dificultaria muito o argumento de que o projeto de lei é inconstitucional, que é o tipo de argumento que pode surgir no caso da aprovação de uma lei municipal — explica ele.

O GLOBO – POR CLARISSA PAINS / JOSY FISCHBERG

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