Treinos, competições, viagens, materiais, equipamentos, cuidado com o corpo, planos de trabalho. Essas são apenas algumas das diversas questões que envolvem o desenvolvimento do atleta com o esporte de alto rendimento. Muitas vezes, por conta de toda essa complexidade, vários talentos acabam desistindo e sendo desperdiçados no âmbito de competições. Neste contexto, para impulsionar atletas, treinadores e o esporte sergipano de forma geral, surgiu o Bolsa Atleta Sergipe, que já faz diferença direta na vida dos contemplados.
Desenvolvido pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado do Esporte e Lazer (Seel), o Bolsa Atleta estadual é a maior iniciativa de fomento direto ao esporte já realizada em Sergipe. O programa entrou em vigor a partir de janeiro de 2025, e se consolida como uma política pública robusta de apoio ao esporte de rendimento. Ao todo são 231 contemplados, entre atletas e técnicos, com investimento total de R$ 2.328.000,00. O programa Bolsa Atleta abrange seis categorias: Infantil, Estudantil, Base, Nacional, Internacional, e o Bolsa Técnico. Os valores variam entre R$ 200 e R$ 2.000, divididos por categoria, e serão pagos igualmente em 12 parcelas.
Mas estes 231 contemplados representam mais que números. São histórias que vão de crianças ainda sonhadoras a adultos que tiveram uma vida em suas modalidades, e que, cada um a seu modo, trabalham pelo desenvolvimento do esporte sergipano. E, a partir do Bolsa Atleta estadual, eles encontram um incentivo maior para seguirem em suas missões.
Muitas vezes, essa história passa de geração a geração na família. Laerte Ferreira tem 56 anos e, depois de deixar a carreira de atleta, há 36 anos é professor de natação. Com tantos anos de experiência, viu muitos talentos ficarem pelo caminho com a falta de incentivo, e por isso celebra a chegada do Bolsa Atleta. “A natação é um esporte caro, e perdemos muitos talentos desde quando eu comecei, da década de 1990 até agora, pela falta de incentivo financeiro. Muitos iriam parar de nadar sem esse auxílio. Por isso, é muito bom ver o retorno e a demonstração deles de que estão dando resultado”, afirmou o treinador, que foi contemplado com o Bolsa Atleta na categoria Técnico.
Mesmo com tantos percalços no esporte, a paixão permaneceu, espalhou e é potencializada pela sua filha, Lavynya Ferreira. Aos 17 anos, ela soma diversos resultados expressivos em competições nacionais e internacionais. Recentemente, ela foi medalhista de bronze no Troféu Milton Medeiros de Seleções, em Fortaleza/CE, além de se tornar a recordista sergipana nos 100m costas. Com tantas conquistas, foi contemplada com o Bolsa Atleta na categoria Internacional.
“Há muito tempo eu queria ter um reconhecimento em relação a isso, mas nunca tive uma real esperança que fosse acontecer um dia. Até que veio o programa do Bolsa Atleta agora em 2025, e já fui me inscrever. Fiz tudo certinho, fiquei na ansiedade para o resultado, e quando chegou foi só alegria. Quando eu tive acesso à conta, ficava três vezes por dia olhando para saber se já tinha caído a primeira parcela. Foi incrível, muito especial e importante para mim”, destacou.
Para atletas de alto rendimento como eles, a rotina vai muito além de competições. Ela envolve um esforço gigante, abdicação de momentos considerados comuns para pessoas de suas idades, e um trabalho intenso diário até chegar aos objetivos. Assim, especialmente para quem vem de realidades mais simples, o Bolsa Atleta é fundamental para que estes jovens se mantenham em um nível que talvez não fosse possível por meios próprios.
Anthony Almeida, por exemplo, tem 17 anos e há três compete no judô. Em pouco tempo conquistou grandes resultados, e hoje, estando na categoria +90kg cadete, recebe o Bolsa Atleta Base. O judoca, que treina na Escola de Esportes José Gerivaldo Garcia, mantida pelo Governo do Estado no bairro Santos Dumont, em Aracaju, pensou em desistir do esporte por conta da falta de recursos para deslocamentos entre as cerca de seis horas diárias de treinos de judô, jiu-jitsu e musculação. Mas o Bolsa Atleta mudou o cenário.
“A primeira parcela do pagamento já foi fundamental, porque eu normalmente treino em três locais, mas não conseguia ir a todos por conta do custo de deslocamento. Com esse valor, comprei uma bicicleta nova para me locomover, fazendo todos os treinos e aumentando o desempenho, para representar meu estado ainda melhor. Antes do Bolsa Atleta, a gente não sabia se iria conseguir competir todo mês, por conta das inscrições que são caras. Perdemos muitos campeonatos importantes por isso. Ele nos ajuda muito”, exaltou.
Kaio Michael é outro judoca que compete na treina na Escola de Esportes José Gerivaldo Garcia, sob comando do sensei Fernando Igor, e foi contemplado com a bolsa, neste caso na categoria Estudantil. Aos 16 anos, o jovem ainda bastante tímido é cheio de sonhos. Mas, para isso, abre mão de muitas coisas. “Minha semana é sempre de muito treino, aqui e na musculação, além dos estudos. Todos os dias treino 2h a 3h, em média seis dias na semana. Abro mão de diversão e de tempo com minha família, mas eles sempre me apoiam muito”, disse ele.
A primeira parcela do valor foi depositada já neste mês de julho, e Kaio aproveitou. “Com ele eu posso competir, pagar as inscrições, despesas dos campeonatos, uniformes de treino e tudo mais, para ter o maior desempenho. Recebemos a primeira parcela, e ela ajudou logo de cara a bancar parte dessa despesa, sendo um incentivo grande”.
Talentos treinados desde cedo
E se um apoio com esse impulsiona sonhos, isso se torna ainda mais forte em modalidades onde os atletas despontam tão cedo. Na ginástica rítmica, por exemplo, desde crianças as atletas já alimentam o desejo de representarem o país e chegarem longe.
A pequena Emanuela Coradine, de 11 anos, está desde os 8 na ginástica. Em pouco tempo, já alcançou grandes feitos: em 2024, foi vice-campeã brasileira e campeã sul americana. Natural de Londrina/PR, ela encontrou em Sergipe o lugar para receber o apoio que lhe incentiva a ser uma grande atleta no futuro.
“Eu não estava esperando o Bolsa Atleta, fiquei muito surpresa e feliz, principalmente pela ajuda com os materiais para os treinos e viagens em competições. Meu sonho é ir para as Olimpíadas, e sei que vou conseguir. Vou trabalhar para isso!”, exclamou.
Para cumprir com este objetivo, ter alguém ao lado que vivenciou a situação e aconselhe da maneira correta é fundamental. É aí que entra o trabalho do treinador, que em 2025 foi contemplado de maneira inédita pelo Bolsa Atleta: ao todo foram 25 beneficiados, com um valor de R$ 1.200 para cada um, valorizando aqueles que estão sempre ao lado de seus atletas.
Emanuela é treinada por Iracema Alves, que também começou cedo na ginástica, aos 8 anos de idade. Depois de uma carreira que envolveu título brasileiro e sul-americano, e participações em Campeonato Mundial pela Seleção Brasileira (a primeira sergipana e nordestina a figurar em um Mundial), hoje, aos 39, ela é uma treinadora de renome no esporte sergipano. Tanto que neste Bolsa Atleta teve 13 atletas selecionadas, sendo a técnica de pontuação mais alta entre todos os esportes.
“A gente praticamente não tem férias, pois sempre estamos entre treinos planificados, preparação física geral e específica, trabalho coreográfico e repetição, estudo, vídeos vídeos e análise do que pode ser melhorado. Para nós o Bolsa Atleta é uma conquista enorme, por meio do trabalho do Governo do Estado, com a nossa secretária Mariana Dantas. Quando eu era atleta, na minha época, não tinham essas coisas. Vi a luta dos meus pais, e vejo a luta das meninas hoje. Esse benefício, não só para mim, mas também para elas, vai fazer um diferencial muito grande”, expressou a treinadora.
Laerte Ferreira também ressaltou a importância da visibilidade aos treinadores. “Nós técnicos nunca tivemos um benefício, um incentivo. E esse Bolsa Atleta veio para agregar bastante, porque nos motiva e ajuda com as despesas. A competição de alto rendimento tem muito gasto, e quase sempre pouco retorno financeiro. O auxílio do Bolsa Atleta já beneficia bastante nossas despesas”.
Incentivo para o futuro
O incentivo financeiro, no caso de muitos desses atletas, também representa um apoio psicológico. Ter a certeza de que poderá investir em materiais de competição, inscrições, passagens e hospedagens faz com que muitos deles persistam em seguir no esporte, fomentando o desenvolvimento de grandes talentos.
Kaio Michael é um deles. “Esse apoio nos ajuda de várias formas. Incentiva os atletas que estavam querendo parar com o esporte a continuarem treinando e competindo, estando focados no treino e nas competições para ter os melhores resultados. O Bolsa Atleta faz conseguir realizar seus sonhos”, disse o judoca, que quer um dia chegar às Olimpíadas.
A chegada do Bolsa Atleta também gera o efeito cascata de um estímulo em quem não o conseguiu. Afinal, quem treina ao lado de um atleta que conseguiu o benefício quer se esforçar mais e não ficar para trás. Foi o que revelou Iracema Alves. “Por meio delas [as atletas contempladas], mostra que é possível para a próxima. Ela pensa: ‘Se minha amiga conseguiu, por que eu não posso conseguir?’. Além da competitividade, pois sabemos que os melhores conseguem a bolsa, também dá uma possibilidade de esperança para as outras, que irão se esforçar ainda mais, com maior motivação e determinação, ajudando nos resultados”.
Sobre este assunto, o judoca Anthony Almeida, mesmo tão jovem, dá um conselho de vida importantíssimo: “Eu mesmo entrei no judô pensando nele como um hobby, faltei muitos treinos, demorei a me adaptar. Mas quando me adaptei, passei a treinar todo dia e com disciplina. Agora com o Bolsa Atleta consigo trabalhar muito mais. Para quem não conseguiu, eu digo que não desista dos seus sonhos e dê seus melhor nos treinos, porque aí vem o resultado, e o Bolsa Atleta vem junto”.
Ensinamentos com o esporte
Muitas vezes, o esporte é mais visto no alto nível, com seus principais atletas conquistando medalhas nos torneios mais importantes. Mas ele vai muito além disso: o esporte deixa aprendizados de vida, ensinado a quem está nele lições que são levadas para sempre, ajudando no amadurecimento não apenas de atletas, mas também de seres humanos.
Emanuela Coradine tem apenas 11 anos, mas já sabe muito bem o que quer. Inspirada na Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica, que treina em Aracaju desde 2011, ela sonha com coisas grandes. “Tenho muitas inspirações. A Babi Domingos, Duda Arakaki, Maria Eduarda, todas elas da seleção. Quero ser como elas, porque o que eu mais gosto é de competir e ganhar. Principalmente de ganhar!”, brincou ‘Manu’, como é conhecida.
Mas, para chegar lá, o atleta aprende a lidar com vitórias e derrotas, alegrias e frustrações, com muitas responsabilidades. É o que destaca Iracema, treinadora da pequena Manu. “Sempre digo a elas que em cada competição, às vezes temos 20 meninas excelentes e especiais, mas só três ganham medalha. No esporte, a gente aprende a ganhar e a perder, e não só quem ganha é muito bom. Nós ganhamos novas amizades, cultura, disciplina, um conjunto de fatores positivos através do esporte, que só traz benefícios”.
Com tantos ensinamentos, é quase impossível quem está no esporte largar a prática. Seja como atleta ou como treinador, o desejo é seguir vivenciando a área e passar experiências para novas gerações.
Anthony Almeida, mesmo com apenas 17 anos, resume bem esse sentimento. Vindo de uma realidade mais humilde, ele viu amigos tomarem rumos diferentes na vida, e quer modificar o cenário por meio do esporte. “Meu grande sonho, caso eu não consiga seguir como atleta de alto rendimento representando o meu país, é trabalhar com o judô. Ensinar os pequenos, criar pessoas melhores. Quero espalhar o judô, é um esporte que salva vidas, salva pessoas, e ensina crianças a crescerem com responsabilidade e disciplina”.
São pessoas esforçadas e muito determinadas, que todos os dias constroem e desenvolvem o esporte sergipano de diversas formas. E incentivos como o Bolsa Atleta fazem com que isso continue ao longo de gerações e gerações.
Como foi com Lavynya, ensinada pelo seu pai. “Por mais que você esteja competindo com alguém que está do seu lado, somos adversários só na água. O esporte ajuda em uma questão coletiva, a você ajudar e entender o próximo, além das amizades. Eu vivo o meu sonho da minha vida. Tudo que o esporte me entregar de bom, eu vou receber com o maior carinho. Espero que minha vida seja uma caixinha de surpresas, com coisas que eu não estava esperando, como um Bolsa Atleta, que me incentiva tanto”, encerrou.
Foto: Igor Matias