Por Prof. Dr. César Gama, PhD*
Em pleno século XXI, era da sobrecarga da informação excretada simultaneamente por milhares de fontes midiáticas de internet, me deprime assistir ao espetáculo dantesco da
propaganda eleitoral gratuita das campanhas eleitorais na TV, em que me transmuto numa espécie de asno a prestar atenção na rasa misancene elaborada por diversos ditos
“marqueteiros”, espécie de analfabetos funcionais a impregnar o ambiente eleitoral – ao lado dos verdadeiros especialistas, claro – tentando convencer o eleitorado a comprar o produto político que estão a vender, sem manifestar o mínimo resquício de técnica e profissionalismo.
Diante de tão patético quadro de descomunicação eleitoral, na condição de professor
portador de dois diplomas de licenciatura e algumas pós-graduações – transparecendo até mesmo certo ar de arrogância -, me sinto na obrigação de “ensinar” aos imitadores de estrategistas em marketing político-eleitoral alguns aspectos importantes da profissão para ajudar no saneamento da comunicação política.
Na expectativa de que os simuladores consigam sair finalmente do terreno do simulacro, da imitação de marqueteiros, e aprendam a se profissionalizar de verdade, apresentando na TV trabalhos que realmente empolguem o eleitorado, ao invés de torná-lo cada vez mais refratário ao enfadonho e desgastante horário eleitoral. O que seria alvissareiro tanto para elevar a profissão de marqueteiro, quanto para o sofrido eleitor obrigado a assistir espetáculos de desproporcional estupidez explicita.
Aspectos da Psiquê humana
Em primeiro lugar, é inadmissível que alguém se intitule hoje marqueteiro político- eleitoral profissional, ou qualquer coisa que o valha, sem o mínimo embasamento teórico relativo ao conhecimento dos aspectos da psiquê humana sob o efeito do processo da comunicação; sem o saber das teorias relacionadas à psicologia das massas; sem a apreensão dos avanços científicos relativos à neurociência e ao neuromarketing; sem a mínima instrução em filosofia da comunicação; e, por fim, sem o acesso à teoria fundamentada das técnicas de manipulação da opinião pública, assunto controverso e hoje até repudiado, mas lamentavelmente a fonte de todo o processo de aquisição e manutenção do poder político e até econômico no mundo contemporâneo, seja em regimes tirânicos ou na fraudulenta “democracia” ocidental.
Daí que no processo de aquisição do conhecimento necessário para compreensão do
potencial do uso da comunicação, da propaganda e da manipulação das massas em benefício de seus clientes, o marqueteiro profissional de sucesso precisa obrigatoriamente passar por autores clássicos como Edward Bernays, Sigmund Freud, Gustave Le Bon, José Ortega y Gasset, Walter Lippmann, Hannah Arendt, William Reich, Abraham Maslow, Antônio Damásio, Jurgen Klaric, Antônio Lavareda e Joost Merloo, apenas para citar alguns dos mais importantes.
Para enumerar alguns exemplos de obras seminais relevantes ao tema citaríamos “Propaganda”, “Engineering of Consent” e “Crystallizing Public Opinion”, de Bernays (obras sem tradução em português); “Psicologia das Multidões” e “Opiniões e Crenças”, de Le Bon; “Psicologia das Massas e Análise do Ego”, de Freud; “A Rebelião das Massas”, de Ortega y Gasset”, “Psicologia de Massas do Fascismo”, de Reich; “Uma Teoria da Motivação Humana”, de Maslow; “Opinião Pública” e “O público Imaginário”, de Lippmann; “O Erro de Descartes”, de Damásio; “As Origens do Totalitarimo”, de Arendt; “Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais”, de Lavareda; “Estamos cegos” e “Venda à mente, não ao cliente”, de Klaric; “O Cérebro político”, de Drew Westen; e “Lavagem Cerebral” e “The Rape of the Mind: The Psychology of Thought Control, Menticide, and Brainwashing” (obra sem tradução), de Merloo.
Na condição de jornalista, psicanalista e especialista em neuromarketing, tenho realizado, através de minha pequena empresa, a SINAPSE, pesquisas científicas de natureza qualitativa para diversos políticos desde 2016, quando me afastei da atividade pública.
Importância da pesquisa qualitativa
A importância estratégica das pesquisas qualitativas em campanhas eleitorais e na manutenção do poder político é de tal ordem nos Estados Unidos, por exemplo, que psicanalistas e psicólogos realizam centenas de pesquisas do gênero anualmente para candidatos a presidente e governador, indústrias, bancos e órgãos de segurança como a CIA, inclusive para referendar processos de intervenção em países estrangeiros no desenvolvimento de atividades de natureza estratégica de dominação geopolítica.
Já tendo efetuado dezenas de pesquisas tanto quantitativas quanto qualitativas, específicas ou de natureza exploratória, apresentadas as dezenas de políticos, pude perceber como alguns profissionais de marketing não souberam que fazer com tão importante instrumento eleitoral estratégico como é a pesquisa qualitativa bem elaborada.
Simplesmente não conseguiram transplantar com sucesso o conhecimento íntimo que adquiriram acerca do eleitorado a fim de transmitir às suas peças publicitárias as mensagens mais adequadas de propaganda em suas campanhas eleitorais.
Ou seja, começaram a campanha do modo correto: se valendo da aquisição de pesquisa
qualitativa, representando desse modo como “o mapa do território”, instrumento a fazer a diferença numa guerra onde o exército aliado vencerá o batalhão adversário que perambula sem mapa sobre terreno desconhecido.
Em contrapartida, tais marqueteiros não souberam transpor o conhecimento adquirido, os dados traduzidos em emoções e sentimentos obtidos junto ao eleitorado, numa comunicação verdadeiramente empática e atrativa ao eleitor, que penetrasse seu sistema límbico – fonte de suas emoções -, e o levasse a manifestar o comportamento que se desejava obter.
Erro primário nas campanhas
E o erro primário perceptível em tais campanhas se tratava invariavelmente de adotar o anacrônico e desgastado formato da maioria dos clipes publicitários da propaganda eleitoral, em que no primeiro momento aparece a figura do candidato a deitar falação na transmissão de sua mensagem, sem se preocupar com um aspecto fundamental para o sucesso da recepção dela: o de primeiro fisgar a atenção do espectador, para somente depois transmitir a mensagem.
O resultado final é uma tragédia. Assim que aparece a imagem do candidato na TV, a mente do eleitor simplesmente divaga e procura voltar sua atenção para qualquer outro aspecto que lhe seja mais interessante, perdendo-se completamente o conteúdo da mensagem, vez que o eleitorado já não suporta mais tanto lenga-lenga e conversa fiada da classe política enquanto vive a percepção de que, graças a esses mesmos políticos, sua vida tem piorado a cada eleição.
Tivessem a formação adequada, estes marqueteiros saberiam que para não perderem a
peça publicitária e o potencial da mensagem, precisariam se valer de mecanismos de captação da atenção, a exemplo dos denominados gatilhos emocionais tão vulgarizados hoje por instrumentos de mídia na internet, de forma a inicialmente atrair a atenção do eleitorado nos primeiros cinco segundos do material publicitário para só depois, após a captura dessa atenção, enviar a mensagem que se deseja transmitir sem o risco de perder sua recepção e efetividade.
Este, aliás, é apenas um entre as dezenas de exemplos de erros cometidos por muitos destes ditos marqueteiros por conta de falhas na formação profissional – ou nenhuma formação – a engendrar a monótona e cansativa torre de babel em que se tornou a propaganda eleitoral gratuita na TV, a que me resumirei aqui, aliás, diante da exiguidade de espaço destinado a artigos deste gênero.
*É cientista, pesquisador, jornalista, biólogo, filósofo, psicanalista, naturopata, gestor ambiental e consultor em neuromarketing.