“A água que nasce na fonte serena do mundo… e escorre tranquila no leito do rio… e chega no canto das casas, nas vidas dos ribeirinhos, e nas torneiras da cidade…”
Caetano cantou a poesia da água. Mas o que se vê hoje em alguns municípios de Sergipe é outra canção. Uma música triste. Um samba desafinado da má gestão. Uma melodia de desperdício. Em vez de chegar onde deveria, a água do dinheiro público está evaporando. Escorrendo por ralos administrativos com nomes, CPFs e contas paralelas.
Na quinta passada, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe apertou o registro: emitiu medidas cautelares contra Canindé de São Francisco e Pedrinhas, por supostas irregularidades na aplicação dos recursos da outorga da Deso, verbas que deveriam irrigar a cidade com obras, infraestrutura, saneamento e dignidade. Mas que, ao que tudo indica, foram desviadas para outros fluxos, bem menos transparentes.
A denúncia é clara. Transferência indevida para outras contas. Desvio de finalidade. Falta de plano de aplicação. Despesas sem vínculo legal. Tudo isso documentado pelo Ministério Público de Contas, que vem mostrando que o problema é sistêmico, já são pelo menos oito municípios no radar por fazerem da água uma desculpa pra secar a legalidade.
É como diz Caetano: “É a água que corre ligeira, é a vida que escorre, é a gota que falta no pote.” Só que agora a gota não falta só no pote, falta na ética, na transparência, na consciência.
Os gestores parecem ter confundido “outorga” com “esmola”, “recurso extraordinário” com “dinheiro de bolso”. Transformaram verba vinculada em “vale tudo contábil”, pulverizaram valores em contas sem controle e ainda tentaram dar nome bonito a práticas que, no fundo, têm outro nome: improbidade.
E o mais grave é que isso foi feito sabendo o que estavam fazendo. Criaram estratégia pra escapar da vinculação legal, jogando o dinheiro pra conta geral da prefeitura com a desculpa de restituição de precatórios já pagos, na prática, descaracterizando a verba e abrindo caminho pra usar o dinheiro como bem entendessem.
Mas agora o rio virou mar. E o TCE precisa mostrar que não é riacho manso. A sociedade sergipana está acompanhando tudo de perto. O cidadão, que vive na ponta, quer saber se a água vai continuar só escorrendo pelas mãos da burocracia ou se vai, finalmente, irrigar as obras prometidas nas campanhas.
O momento exige firmeza. Determinação. Punição. O Tribunal precisa ser mais que técnico. Precisa ser símbolo. Precisa mostrar que o desvio da água é crime grave, mesmo quando não molha as manchetes de escândalo nacional. Porque o povo já entendeu que o que está sendo desviado não é só dinheiro. É tempo, é dignidade, é futuro.
Portanto, prefeitos, ex-prefeitos e gestores de plantão: não confundam água com vento. Ela corre, sim, mas deixa rastro. E quando ela vem em forma de recurso público, tem cheiro de processo, de responsabilidade e de prestação de contas. Como diria Caetano, “é água de beber, camará” —
Mas aqui, é água de explicar, devolver e, se preciso, responder.
Por Fausto Leite – Portal de Nocicias