* Luciano Barreto
Em meus mais de 57 anos de estrada na Engenharia e na construção civil, vi o Brasil passar por ciclos de euforia e crises profundas. Vi o país se erguer com grandes obras e o vi paralisar em recessões. Mas o que testemunho hoje me preocupa de uma forma nova e, talvez, mais estrutural: estamos ficando sem engenheiros.
A acentuada queda no interesse dos jovens por essa profissão é um desafio que transcende os portões das nossas empresas. É, de fato, uma ameaça direta à execução de programas estratégicos e ao próprio futuro da infraestrutura nacional.
Programas ambiciosos, como o Novo PAC, ou a necessidade urgente de universalizar o saneamento e reduzir nosso déficit habitacional, dependem de uma geração de técnicos que, hoje, não está sendo formada. Como empresário, pergunto-me como planejaremos o crescimento. Como engenheiro, pergunto-me quem garantirá a qualidade e a segurança do que será construído.
O problema não é trivial. A Engenharia, que já foi a carreira mais desejada por jovens, hoje compete com o apelo imediato do mercado financeiro, das startups de tecnologia e com o glamour do marketing digital.
A nossa profissão, que exige paciência, rigor técnico, resiliência diante de ciclos econômicos brutais e, francamente, muito trabalho de “botina no barro”, parece ter perdido seu apelo.
Essa evasão de talentos das salas de aula de Engenharia é o sintoma de um problema maior. E ele não se restringe aos escritórios de projeto ou ao planejamento estratégico.
Minha preocupação não se limita à falta de engenheiros. Ela se estende, com igual ou maior gravidade, à escassez de mão de obra qualificada nos canteiros de obras.
Se faltam engenheiros para planejar, faltam também os profissionais qualificados para executar. A dificuldade em encontrar mestres-de-obras experientes, técnicos em edificações, pedreiros, armadores e carpinteiros de alto nível é a outra face dessa mesma moeda.
Estamos falhando em inspirar e treinar tanto o “pensar” quanto o “fazer”. Um país não se desenvolve apenas com aplicativos e algoritmos – ele precisa de pontes, portos, hospitais e moradias. E para isso, precisa de quem saiba calcular a viga e de quem saiba executá-la com perfeição.
A desvalorização do trabalho técnico e manual no Brasil é um erro histórico que cobra seu preço agora. Um país sem engenheiros e sem mão de obra qualificada no canteiro é um país que não se constrói.
De que adiantam planos de investimento bilionários se não teremos o capital humano para tirá-los do papel com eficiência, custo adequado e qualidade?
Corremos o risco de ver projetos essenciais atrasarem, encarecerem ou, pior, serem mal executados por falta de supervisão e competência técnica. Aumentaremos o tal Custo Brasil justamente pela falta do alicerce principal: o conhecimento aplicado.
Não tenho a pretensão de oferecer respostas simples para um problema tão complexo, mas minha experiência aponta alguns caminhos que precisamos, como sociedade, começar a trilhar urgentemente.
1 – Valorização da profissão: Precisamos de um esforço conjunto – empresas, universidades e governo para restaurar o prestígio da Engenharia. Isso envolve mostrar o impacto real e transformador da profissão, mas também garantir planos de carreira mais estáveis, que protejam os profissionais dos ciclos selvagens de “para-e-anda” do nosso setor.
2 – Revolução na Educação Técnica: É imperativo investir maciçamente no ensino profissionalizante. O exemplo de sistemas como o “S” – Senai/Senac – deve ser multiplicado. Precisamos formar não apenas o engenheiro, mas o técnico de excelência, o mestre que é a alma do canteiro.
3 – Estabilidade para o setor: A construção civil é o motor do primeiro emprego e da infraestrutura. O planejamento público precisa ser pensado a longo prazo, garantindo uma carteira de projetos que confira previsibilidade ao setor, permitindo que as empresas invistam na formação contínua de suas equipes sem o medo da paralisação abrupta.
Minha geração ajudou a erguer este país com régua T, prancheta, cálculo e muito suor no canteiro e na profissão que escolheu. A pergunta que deixo para reflexão de todos é: quem erguerá o próximo?
*É engenheiro civil e presidente da Construtora Celi.
